23 de agosto de 2024

O que você faria com R$ 13 bilhões?

André Ricardo Costa

Professor da Ufam

O que você faria com R$ 13 bilhões? Ok, há restrições. Você teria que aplicar o dinheiro somente no que for relevante para o desenvolvimento do Amazonas. Seu benefício pessoal seria somente o de melhorar a sua qualidade de vida na mesma proporção dos seus conterrâneos. Também o dinheiro não viria de uma vez só, e sim aos poucos, conforme o Amazonas vai usufruindo do direito de conceder benefícios em torno de seu principal imposto, o ICMS. O sistema atual vigora desde 2003.

Na verdade, seriam mais que R$ 13 bilhões. É que a cultura de transparência demorou para “pegar” no Brasil, e os dados só reportam a partir de 2010. Refiro-me, novamente, ao FTI, sigla do fundo formado por contribuições das empresas industriais em contrapartida ao usufruto dos incentivos do ICMS. Desde a promulgação da lei 2.826, se contar com a década de 2000, o valor pode se aproximar dos R$ 20 bilhões. Salpicados ao longo dos anos, de 2011 a 2019 arrecadou sempre mais que R$ 500 milhões por ano, e mais que R$ 1 bilhão a partir de 2020.

Com o bonito nome escrito por extenso na lei de incentivos, supostamente os recursos do FTI direcionariam o valor criado por um modelo transitório de desenvolvimento para construir um permanente. Também era bonito o esquema de governança previsto para administrá-lo. A Afeam seria o agente financeiro. A aplicação dos recursos seria monitorada por um comitê composto por representantes do setor produtivo.

Porém, sua efetividade foi vítima da mortalidade precoce comum nos programas governamentais. Nas primeiras parcas reuniões do comitê, o setor produtivo questionou como os recursos seriam administrados, e quem conduzia a reunião respondeu “vamos esperar o governador”. Questionado sobre as reuniões seguintes, novamente o “vamos esperar o governador”. Passaram-se os anos, o dinheiro entrou, e até hoje não se sabe o que diria aquele governador.

Em 2008 sobreveio a crise de hipotecas nos Estados Unidos, com impactos na economia amazonense. Ficou então evidente o padrão de administração dos recursos do FTI: Se cai a arrecadação do ICMS, e o governo do estado tem dificuldade de cortar despesas, recorre-se ao FTI. Se é ano de eleição, e as tentações de panem et circenses são irresistíveis, recorre-se ao FTI. Se necessário, muda-se a lei às pressas.  

Assim chegamos ao cenário atual. Pelos relatórios de 2022, o FTI destinou R$ 255 milhões para festas culturais, R$ 120 milhões para policiamento e R$ 87 milhões a emendas parlamentares. O mais próximo de desenvolvimento foi a destinação à produção rural, na ordem de R$ 184 milhões.

O leitor pode ter infinitas ideias melhores para aplicar os recursos, com toda razão. Mesmo essas áreas que receberam recursos do FTI não ficariam órfãs se as sucessivas gestões fossem mais proativas e menos caroneiras quanto ao nosso desenvolvimento. Basta ver toda a burocracia para a efetivação dos projetos empresariais, da concessão dos incentivos às licenças ambientais. Sem esquecer a penosa carga tributária sobre as atividades ex-PIM, como hidrocarbonetos, telecomunicações, e comércio em geral.

A vida do amazonense é olhar ao redor e lamentar as oportunidades desperdiçadas. Tanto se diz que a Amazônia é rica em biodiversidade, mas essa riqueza não cai no bolso dos cidadãos. Problemas e benesses vindos de fora precisam ser trabalhados, nunca permitindo ou justificando a passividade diante do que pode ser feito pelas autoridades locais. 

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