Em sala de aula, como professor no Ensino Fundamental II, sempre me deparei com adolescentes que praticam a automutilação, mas infelizmente, nos últimos anos, principalmente depois da pandemia de Covid-19, este número só tem aumentado. É comum, numa sala de aula, com trinta estudantes ou mais, existirem de três a cinco que praticam a automutilação e isto independe do sexo. É verdade que em alguns casos as meninas são a maioria, mas é comum, também, entre os adolescentes do sexo masculino a automutilação.
Recentemente corrigindo as atividades dos estudantes em sala de aula, um aluno se aproximou da minha mesa e quando ele me entregou o caderno pude observar que o seu braço estava todo “ticado”, parecendo àqueles golpes que os peixeiros fazem no jaraqui. Sem que ele desconfiasse que eu houvesse percebido os cortes no seu braço, olhei-o bem no fundo dos seus olhos e perguntei se estava tudo bem. Ele me respondeu que sim, que estava tudo bem. Quando eu insistir novamente ele baixou a cabeça e começou a chorar copiosamente.
Suspendi a atividade que estava fazendo e perguntei em que poderia ajudá-lo. O silêncio e o olhar atravessado foram à resposta. Quando eu disse que ia encaminhá-lo para o setor pedagógico, ele se manifestou prontamente: – Não professor, eu não quero ir. Eu quero ficar é aqui, no meu cantinho. – Por quê? – Porque eu não confio em ninguém nessa escola. Acho todo mundo falso. – Até os professores? – Principalmente os professores. – Entendo! – Eles nunca têm tempo para conversar. Vivem só passando tarefas por cima de tarefas. – Mas eu estou aqui, não estou? Diga-me, como posso lhe ajudar? – Eu não preciso de ajuda, professor! Eu não estou doente – disse-me com voz ríspida. Em seguida, a campainha tocou e eu fui para outra sala ministrar a minha aula, cumprir com o conteúdo programático.
Muitos são os motivos que levam os adolescentes a se automutilarem, principalmente a imagem que eles têm de si mesmos. Muitos se acham feios, gordos, altos, magros, baixos, o rosto cheio de espinhas e uma série de defeitos que julgam ter. Eles não conseguem entender e aceitar que tudo isso é um processo natural, que faz parte do crescimento e do desenvolvimento de toda pessoa humana. Superar a síndrome de Peter Pan é uma necessidade e uma sabedoria humana!
Em segundo lugar, o sentimento de solidão que eles sentem. Muitos adolescentes praticam a autoflagelação por não ter com quem partilhar sua dor. Ou seja, por se sentirem sozinhos se valem da exposição de cortes feitos pelo corpo para chamar a atenção, muitas vezes para disfarçar, ou mesmo amenizar a dor da alma e para afirmar que ninguém se importa com eles.
Os especialistas afirmam que esses desajustes emocionais geram conflitos diversos e comprometem a vida pessoal, escolar e os relacionamentos afetivos e familiares. O impacto desse problema resulta em sintomas psíquicos e aumentam o risco para o surgimento de doenças físicas e até o cometimento do suicídio. Os adolescentes precisam aprender que aquilo que fazemos só é realmente bom quando amamos a nós mesmos com um amor verdadeiro.
À pressão da família também conta muito para a automutilação dos adolescentes. Muitas vezes os pais colocam uma responsabilidade muito grande na costa dos filhos: “Sai desse quarto, deixa de ser preguiçoso\a”; O estudo, as relações sociais, o contato com os amigos, a convivência familiar, muitas vezes, não é natural e a vida torna-se um pesadelo.
Por fim, um jeito interessante de ajudar o adolescente a melhorar a sua autoestima é destacar mais os pontos positivos, valorizar mais as suas ações, é ter mais afinidades com ele, é interessar-se pelo que o adolescente gosta, quem sabe, convidá-lo para um “rolezinho”, um filme, um bate-papo; é criar ocasiões que aproximem vocês, uma atividade esportiva, um passeio, enfim, se tudo isso não funcionar, busque ajuda de um profissional, de um psicólogo etc.