18 de outubro de 2024

Por que defender a Petrobras e o modelo ZFM? (Parte 1)

Assisti no dia 27 de agosto de 2020 a entrevista dada pelo ex-diretor da PETROBRAS, Guilherme Estrella, ao jornalista Luís Nassif, no painel Refundação do Brasil, sobre o tema Indústria e Inovação: o papel central da PETROBRAS. E, diante do seu conteúdo, me permiti voltar ao assunto da venda dos ativos da Petróleo Brasileiro S.A. na Amazônia no momento em que o Supremo Tribunal Federal (STF) retoma o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5942, ajuizada contra o decreto nº 9.355/2018, da Presidência da República, que dispõe sobre a regulamentação da cessão de direitos de exploração e produção de petróleo no Brasil, autorizando, por exemplo, a venda de fatias da empresa sem licitação, como é o caso dos campos terrestres de Urucu, Bacia Sedimentar Solimões, no estado do Amazonas.

Os nossos artigos anteriores já demonstraram o claro entendimento sobre o tema como um crime de lesa-pátria que a gestão Castello Branco/Guedes vem praticando, com interesses entreguistas ao capitalismo financeiro em detrimento ao capitalismo produtivo que a Petróleo Brasileiro S.A. atuou em grande parte da sua história.

O duro golpe perpetrado pelo ministério da Economia, em parceria com a atual direção da ‘PETROBRAX’, fere constitucionalmente o inciso I do primeiro artigo da nossa Carta Magna, que assim proclama em seus princípios fundamentais: “Art. 1º – A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; […]”. (Grifo meu)

Ao ressaltar a importância do conceito de soberania na abertura da Constituição Federal do Brasil, como princípio soberano da Nação, o diretor Estrella trouxe-nos durante a entrevista, recortes da história da PETROBRAS que considero devem ser analisados pelo STF, bem como, por todas as forças produtivas nacionais, notadamente, àquelas que promovem trabalho e riquezas no coração da floresta amazônica, nosso modelo industrial da Zona Franca de Manaus (ZFM).

O primeiro ponto apontado pelo entrevistado é o olhar estratégico da industrialização como fator de hegemonia das grandes nações na geopolítica mundial. E todos sabemos que a sustentabilidade industrial passa pela disponibilidade de energia confiável.

Assim despontaram as nações europeias industriais (Inglaterra, França …) desde a segunda metade do século XVIII pelo uso do carvão mineral como fonte de energia. O protagonismo industrial norte-americano, alcançado no século XX, nasceu das relações intrínsecas ao petróleo e da sua estratégia de ocupação de territórios mexicanos onde tais reservas existiam, levando-o, consequentemente, a atual hegemonia econômica mundial.

O processo industrial no Brasil deu-se tardiamente, somente no governo Vargas, após a Segunda Guerra Mundial, a partir da Companhia Siderúrgica Nacional. Sem fontes de minerais energéticos coube ao Estado brasileiro, a partir de 1953, com a Petróleo Brasileiro S.A. descobrir hidrocarbonetos no nosso território; e, com o investimento na construção de barragens para hidrelétricas, aproveitar o potencial de nossos recursos hídricos na geração de energia.

É neste contexto político estratégico que a indústria nacional se materializa até o período do governo Fernando Henrique Cardoso. Há um papel significativo das grandes estatais participando em setores econômicos onde a iniciativa privada tinha dificuldade de ocupar. Em termos comparativos, este modelo de desenvolvimento é muito semelhante ao chinês. Dessa forma aquele país transformou-se na segunda potência econômica mundial, em vias de alcançar a primeira posição.

Em tempos de aberrações ideológicas terraplanistas, me desculpem a ironia da pergunta: seriam então comunistas, os governos militares no período de exceção democrática?

O segundo ponto que destaco na fala do ex-diretor Estrella está no compromisso da Petróleo Brasileiro S.A. com o desenvolvimento nacional da inovação industrial, científica e tecnológica em parceria com as universidades brasileiras. Não foi sem motivos que a PETROBRAS instalou o seu Centro de Pesquisas Leopoldo Américo Miguez de Mello (CENPES/PETROBRAS) na Ilha do Fundão, dentro da cidade universitária da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Se alcançamos o Pré-Sal, a maior descoberta no Setor Petrolífero nos últimos 50 anos, que garante ao Brasil a soberania energética às diversas atividades produtivas (entre elas, nosso plano nacional industrial), foi porque aplicamos o modelo estratégico japonês, explicou Estrella: num círculo virtuoso, construímos um programa de necessidades científicas, tecnológicas e de engenharia; desafiamos as redes de pesquisa nas Universidades; colocamos os doutores na frente operacional onde os problemas acontecem; desenhamos soluções; e materializamos inovação aos processos industriais.

Com isso, todos ganhamos, concluiu o ex-diretor da PETROBRAS: ganhou a Petróleo Brasileiro S.A., com a inovação tecnológica; a universidade, com a produção do conhecimento técnico-científico e formação de recursos humanos; e ganharam as empresas brasileiras incubadas nas universidades, que passaram a fornecer softwares, máquinas, equipamentos, processos …

Considerando o modelo exitoso das descobertas e operação em águas ultra profundas da PETROBRAS e os desafios vencidos no Pré-Sal em parceria com as universidades brasileiras, por que não defender como política de desenvolvimento industrial na Amazônia, a mesma estratégia japonesa à condução e preparação da Zona Franca de Manaus para além de 2073?

Com mais de 110 anos da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), quase 20 anos da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e a presença de diversas instituições de ensino superior privadas, do Instituto de Pesquisas da Amazônia (INPA), da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) e reconhecendo que Ciência e Tecnologia se materializam na inovação dos processos industriais, quantas patentes industriais foram desenvolvidas pela parceria entre as demandas industriais do PIM e as redes de pesquisa atuantes na Amazônia?

Será mesmo que é por falta de personalidade jurídica, a nova justificativa do discurso político local e nacional, que o nosso Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA) não desata seus nós?

Se no discurso político do presidente Bolsonaro temos tanto gás natural disponível na Amazônia, não seria hora da SUFRAMA, como agente do desenvolvimento regional, discutir novos investimentos na indústria do Amazonas num cluster gás-químico, analisando, ainda que tardiamente, os impactos socioeconômicos e ambientais da saída da Petróleo Brasileiro S.A. da Amazônia?

(Continua)

Daniel Nava

Pesquisador Doutor em Ciências Ambientais e Sustentabilidade da Amazônia do Grupo de Pesquisa Química Aplicada à Tecnologia da UEA, Analista Ambiental e Gerente de Recursos Hídricos do IPAAM

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