16 de setembro de 2024

PRESIDENCIALISMO DE DECORAÇÃO

Breno Rodrigo de Messias Leite*

Em entrevista ao canal do YouTube, MyNews, o ex-deputado e ex-ministro Aldo Rebelo, um dos mais importantes homens públicos de nosso país, foi categórico: “o presidente da República não governa nada. É um presidente quase decorativo”. A afirmação de Aldo Rebelo pode, num primeiro momento, soar fugaz ou oportunista por causa do processo eleitoral, mas na verdade não é. As palavras descrevem com exatidão um estado de coisas, uma disfunção institucional, um espírito do tempo.

Ao longo de todo processo eleitoral, Jair Bolsonaro fora descrito por muitos analistas –sérios ou não –como uma ameaça às instituições e à democracia. O seu passado na caserna e a sua atuação parlamentar, marcado por polêmicas midiáticas e discursos tresloucados, eram visto à época –e para alguns, ainda hoje –como indícios óbvios de que, num momento de crise ou de instabilidade, ele poderia virar a mesa, mandar às favas as regras do jogo e começar um governo autoritário. 

Pois bem, nada disso aconteceu até agora e nada disso acontecerá por um motivo: Bolsonaro é um presidente fraco e a instituição Presidência da República tem sido institucionalmente rebaixada ano após ano. Embora o desenho constitucional de 1988 tenha dado amplas prerrogativas ao presidente da República –poderes de veto total e parcial, poder de decreto via medidas provisórias, autoridade para nomear funcionários da administração pública direta e indireta, controle da peça orçamentária etc – assegurando-lhe as ferramentas da governabilidade, o mesmo tornou-se mais próximo dos interesses estratégicos dos parlamentares. E é à luz do presidencialismo de coalizão que precisamos entender a lógica do processo decisório em curso no Brasil. 

Tanto FHC quanto Lula, com diferentes métodos e resultados, conseguiram arregimentar uma maioria parlamentar favorável às suas agendas presidenciais de governabilidade. Os dois presidentes conseguiram governar graças ao contínuo diálogo com o Congresso Nacional. Presidencialismo de coalizão como um método político pressupõe, antes de tudo, paciência, timing e compartilhamento do poder com a base aliada – a coalizão partidária de governo. Qualquer orientação centralizadora ou monopolista tende a abalar a confiança e o sistema de crenças dos negociadores.

Dilma e Collor erraram a dosimetria na fórmula da governabilidade. Seus governos foram marcados pelo isolacionismo da Presidência da República, incapacidade de alinhar os seus interesses com os do Congresso Nacional e dificuldades abissais de debelar crises circunstanciais – transformando, muitas vezes, as crises políticas (temporárias) em crises de governabilidade (permanentes e dolorosas).

Já Temer gerenciou com maestria o presidencialismo de coalizão. Em dois anos, equilibrou as contas públicas, aprovou reformas fundamentais e reduziu consideravelmente a exposição negativa do Brasil no mundo. Contudo, seu governo não conseguiu conter o crescimento da rejeição popular à sua gestão nem o explosivo radicalismo identitário da esquerda e da direita que tomou de assalto o debate público nacional. O seu governo centrista e conservador foi engolido pelo radicalismo que tomou conta da política brasileira.

Por fim, o governo Bolsonaro, o mais fraco dos presidentes da República desde a redemocratização. A sua base política não depende das forças políticas tradicionais, tais como partidos políticos, sindicatos, associações empresariais etc. Hoje, a sua base é definida por uma base eleitoral amorfa e institucionalmente dispersa, outra base eleitoral concentrada em evangélicos e os membros das Forças Armadas presentes no seu governo. A aposta inicial no ativismo virtual – uma jogada de mestre do bolsonarismo – não foi convertida em organicidade política (partidos, órgãos de imprensa, sindicados, movimentos sociais etc.). Ou seja, na prática, o bolsonarismo é um movimento pouco organizado, refém das circunstâncias e da institucionalidade de outros poderes.

Combinado ao recuo institucional da Presidência da República, temos o crescimento descontrolado do ativismo judicial, o menos democratizado dos poderes da República. Hoje, o STF limita a ação não só do presidente da República como também dos demais poderes, órgãos de fiscalização e controle (vide o caso COAF), de partidos políticos (hoje, o PCO está sob censura judicial), imprensa (caso da Revista Crusoé, Terça Livre e tantos outros) e indivíduos (prisioneiros de consciência).

A fala de Dias Toffoli, ministro do STF, em palestra em Portugal, exemplifica com clareza o espírito do tempo: “Nós já temos um semipresidencialismo com um controle de poder moderador que hoje é exercido pelo Supremo Tribunal Federal”. Ou seja, o presidente da República tornou-se de facto e de jure uma figura decorativa e duvido muito que o próximo presidente – Lula ou Bolsonaro – venha a ter algum tipo de protagonismo sem conseguir antes limitar o ativismo judicial da Suprema Corte.

*é cientista político e professor de política internacional do Diplô Manaus.

[Manaus, AM, Jornal do Commercio, 06/07/2022]

Breno Rodrigo

É cientista político e professor de política internacional do diplô MANAUS. E-mail: [email protected]

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