Princípios éticos e valores religiosos

Em: 29 de julho de 2025

Em tempos de polarizações e urgências sociais, pensar sobre o que nos orienta como indivíduos e como sociedade é um exercício necessário. É nesse contexto que se destacam os princípios éticos e os valores religiosos, dois pilares que, embora distintos em sua origem, frequentemente se encontram na defesa da dignidade humana e da convivência pacífica.

Os princípios éticos são normas racionais que orientam a ação humana. Eles não dependem de nenhuma crença religiosa específica e podem ser partilhados por todos os indivíduos, independentemente de sua fé ou ausência dela. Segundo o filósofo espanhol Fernando Savater, “a ética é a parte da filosofia que trata da moral e das obrigações do homem como ser racional, livre e responsável”.

Numa sociedade evoluída, política, social, econômica e culturalmente, princípios como a justiça, a liberdade, a igualdade, a solidariedade e o respeito à dignidade humana são amplamente defendidos por sistemas democráticos e laicos. Esses princípios buscam o bem comum e a convivência harmoniosa entre diferentes pessoas e culturas.

Um exemplo prático de princípio ético é a criação de leis que garantem a igualdade de gênero no mercado de trabalho. Essa iniciativa não depende de crenças religiosas, mas de um entendimento racional de que todos devem ter os mesmos direitos e as mesmas oportunidades.

Já os valores religiosos têm origem nas crenças e tradições espirituais dos povos. Eles orientam a conduta dos fiéis não apenas no mundo material, mas também no campo simbólico e transcendente. São exemplos disso o amor ao próximo, à caridade, o perdão, a compaixão, o respeito à criação e a busca por uma vida virtuosa conforme os ensinamentos de uma fé.

O teólogo e filósofo suíço Hans Küng, conhecido por sua proposta de ética mundial, defende que “não haverá paz entre as nações sem paz entre as religiões, e não haverá paz entre as religiões sem diálogo entre elas”. Ou seja, os valores religiosos, quando abertos ao diálogo, podem contribuir enormemente para a construção de uma ética planetária.

Um exemplo concreto de valor religioso em ação é o trabalho de comunidades religiosas que atuam no acolhimento de pessoas em situação de rua. Inspirados por preceitos espirituais, voluntários distribuem alimentos, escutam, acolhem e ajudam a reintegrar essas pessoas à sociedade. O que importa, nesse caso, é a humanidade.

Embora distintos em seus fundamentos um baseado na razão, o outro na fé, ética e religião podem dialogar e se complementar. Muitos valores religiosos reforçam princípios éticos universais. Por exemplo, o mandamento cristão “amar ao próximo como a si mesmo” tem paralelo no princípio ético de não causar dano ao outro.

No entanto, é preciso lembrar que a ética deve preservar sua autonomia, pois somente assim poderá garantir uma convivência harmoniosa entre pessoas de diferentes crenças. Quando a ética se submete a doutrinas específicas, corre-se o risco de intolerância, já que um grupo pode tentar impor sua visão particular sobre os demais, comprometendo o respeito à diversidade.

Vivemos em uma sociedade plural, marcada pela convivência entre diferentes culturas, crenças, valores e modos de pensar. Essa realidade exige de todos nós o esforço constante de diálogo, escuta sensível e respeito mútuo, como forma de promover a paz e o entendimento entre as pessoas.

Por fim, reconhecer os pontos de encontro entre ética e religião é fundamental para a construção de um mundo mais justo, solidário e fraterno, onde as diferenças não sejam motivo de conflito, mas fonte de aprendizado e enriquecimento humano. Que assim seja, amém!

Luís Lemos

É filósofo, professor universitário e escritor, autor, entre outras obras, de "Filhos da Quarentena: A esperança de viver novamente", Editora Viseu, 2021.
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