Há quem se orgulhe das próprias convicções, como se fossem princípios basilares da vida, confundindo seus significados no trato das relações sociais, políticas, culturais e religiosas. Penso que para evitar distorções interpretativas, noções básicas de ética devem ser ensinadas nas escolas e difundidas na sociedade, contribuindo para enfrentar as tendências do chamado falso moralismo. Trata-se do desafio de promover um verdadeiro comportamento ético como fundamento de uma existência de convívio saudável e pacífico dos seres humanos entre si e com a própria Natureza. Para descortinar este senso ético, é importante que se faça uma distinção nítida entre os significados de convicções e o de princípios éticos.
Pode-se resgatar inicialmente o significado da palavra convicção, a partir de sua etimologia. Assim, convicção se originou do latim “convictio,onis“, como a ação de convencer ou de ser convencido. Nos dicionários atuais é definida como uma crença, que pode estar fundamentada em percepção dos fatos ou em razões particulares. Ou seja, uma opinião própria, que pode ser gerada pelo convencimento de outras pessoas e/ou pela interpretação de fatos da vida. Desta maneira, uma pessoa pode se mostrar convicta de seus valores religiosos ou ideológicos e até defendê-los como os mais apropriados para nortear ações individuais e coletivas. Mesmo assim, se as convicções podem ser compartilhadas, possuem caráter individualizado, pois cada ser humano tem a liberdade de ter suas próprias opiniões.
Por outro lado, a palavra princípio provém do latim principium que, além de significar início, limiar de algo, também pode denotar o sentido de base ou fundamento de uma ideia ou ação humana. Já a etimologia de ética provém do grego ethos, associado a comportamento, ao modo de ser. Assim compreende-se que a expressão “princípios éticos” possui o significado de fundamentos do caráter humano. Em suma, os parâmetros que norteiam ou devem nortear o comportamento dos seres humanos.
Nessa direção, confundir as convicções pessoais como se fossem princípios éticos é algo que precisa ser evitado. Os princípios dizem respeito a formas comportamentais que transcendem as opiniões, representando um acúmulo de sabedoria da humanidade. Possuem relação direta com a capacidade de nos relacionarmos de modo a preservar a sociabilidade e, num nível mais profundo, a própria espécie humana. Respeito, senso de justiça, honestidade e solidariedade são princípios éticos basilares da sociedade, estão presentes no imaginário das pessoas, fruto da necessidade de convívio pacífico, do valor da verdade e da responsabilidade de cada um de nós. Tem sua fundamentação histórica milenar, na semeadura das diversas culturas, religiões, filosofias e nações. Representam a base da própria civilização. E podem ser resumidos na chamada regra de ouro da espiritualidade humana: a de que não devemos fazer aos outros o que não queremos que nos façam.
Ressalto que na sociedade humana pode ser perigoso confundir convicções ideológicas com princípios éticos. Esta confusão tende a distorcer a realidade e a camuflar más intenções. Penso que seja importante reconhecer que os parâmetros ideológicos podem mudar substancialmente conforme evolui a sociedade, enquanto os princípios apenas podem ser aperfeiçoados e adequados, jamais renegados ou essencialmente modificados, sob pena de graves desajustes na vida social. Assim, nada impede que uma pessoa modifique seus posicionamentos ideológicos e mantenha um comportamento ético correto. Aliás, no Brasil tornou-se um mau costume confundir posição política com honestidade de propósitos. Não é estar convicto de uma ideia política que garante o caráter de qualquer pessoa. Há gente honesta e desonesta em qualquer espectro ideológico.
Nesse sentido, representa ignorância ou má fé classificar o comportamento ético das pessoas por conta de adotarem posições de direita ou de esquerda, serem conservadoras ou progressistas. Trata- de um ultraje à inteligência cair na vala comum de categorizar moralmente quem quer que seja por ter opiniões diferentes das nossas. Este é um direito universal basilar e que está esculpido nas noções laicas e bíblicas do livre arbítrio humano. Somos livres para optar por ideias que podem ou não agradar as outras pessoas. Porém, os princípios éticos nos limitam as atitudes que possam causar danos a nós mesmos e aos nossos semelhantes.
Em certos aspectos, nosso país parece fanatizado ideologicamente. Este tipo de radicalismo pode esconder algo maléfico: a vontade de aniquilar as ideias com as quais não se concorda. Pior, podem disfarçar o desejo de destruir as pessoas das quais se discorda. Neste caso, o ódio preponderaria sobre o Amor, o que representaria a própria negação do maior sentido da vida. É preciso cultivar a tolerância, a compreensão e a fraternidade, para que diminuam as injustiças, a violência e a desigualdade. Ou seja, é preciso que os princípios éticos estejam no cerne da vida humana, acima das convicções políticas.