22 de novembro de 2024

Processo de retestes

Daniel Nascimento-e-Silva, PhD

Professor e Pesquisador do Instituto Federal do Amazonas (IFAM)

Nós somos imperfeitos. A maioria dos seres humanos viventes no planeta se contenta com sua imperfeição e tenta surfar as ondas da vida com os conhecimentos decorrentes do que a vida lhes reserva. Uma quantidade considerável dos terráqueos apresenta alguma preocupação em se melhorar um pouco, seja em termos de habilidades e conhecimentos para fazer alguma coisa, seja em termos de estética da ação, da beleza do agir. Um quantitativo muito pequeno, contudo, com base na consciência de boa parte de suas imperfeições, busca, de forma sistematizada, superá-las continuamente. Como todos somos imperfeitos, a imperfeição fica escancarada para que possamos visualizá-la em tudo o que fazemos. Naquilo que já temos certo conhecimento, a habilidade nos envolve de uma forma tal que, para muitos observadores e especialistas, quase beiramos a perfeição. É o caso dos jogadores de futebol no exercício da atividade de jogar futebol. O que é comum acontecer é que o nosso brilhantismo é extremamente reduzido a um ou poucos focos de atuação. Em tudo o mais, a imperfeição parece reinar sem ser incomodada. Os testes e retestes se ajustam justamente a esse esforço consciente de busca da perfeição, mesmo sabendo que não a alcançaremos.

É praticamente impossível que uma tecnologia seja produzida sem que seja reprovada, antes, em algum teste a que foi submetida. Lembre-se, sempre, que uma tecnologia só pode ser considerada como tal se for submetida a testes específicos e ser aprovada em todos eles. Estamos querendo dizer que é muito, muito difícil que um protótipo não tenha que sofrer alguma alteração. Falando francamente, nunca ouvi falar de algum caso neste sentido. Nunca. O comum, portanto, é que sempre, sempre haja alguma alteração a ser feita para que o protótipo seja considerado produto. É por essa razão que o método científico-tecnológico prevê a necessária realização de testes e retestes sucessivos, em conjunção com as etapas de ajustes e reajustes, até que a tecnologia esteja pronta, em conformidade com os pedidos de seus clientes ou usuários.

Vejamos um caso interessante. Certa vez um cientista recebeu a demanda de um grupo de especialistas em ensino à distância para criar um Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA), ou seja, uma sala de aula virtual, para uma disciplina de um curso de formação técnica. O pesquisador atendeu prontamente, entregando a tecnologia (todo AVA é uma tecnologia) aos especialistas demandantes. Estes, por sua vez, fizeram uma série de considerações, que redundaram na necessária alteração do protótipo apresentado pelo cientista. As alterações foram feitas e submetidas novamente à apreciação dos clientes, que novamente apontaram novas melhorias. Depois de um tempo de idas e vindas, o AVA foi considerado pronto para ser ofertado aos seus usuários, os alunos daquele curso.

É justamente essa a razão de, obrigatoriamente, serem feitos os testes nos protótipos, para que se saiba que partes ou componentes não estão em conformidade com o desejado. Neste caso ilustrativo, os testes foram feitos pelos clientes e solicitados que o cientista procedesse aos ajustes. Mas saiba que o próprio cientista já havia feito seus vários testes antes de entregar o protótipo aos clientes. Ele só entregou o protótipo porque o considerou apto a ser testado pelos especialistas em EaD. Mas ele tinha plena consciência, devido à sua larga experiência, de que alterações necessariamente teriam que ser solicitadas. Por quê? Simplesmente porque ninguém é capaz de acertar tudo de primeira. Rebeldia e reclamações só prejudicam o alcance do objetivo comum, que é uma tecnologia que cumpra a sua função, com segurança.

Como se deve proceder para a realização dos retestes? Há algumas estratégias para isso. Na verdade, há vários exemplos, mas o recomendável é que seja criada uma para cada caso específico. O que vamos mostrar, são grandes esquemas lógicos. O primeiro é o reteste só da parte que foi reprovada e, consequentemente, alterada no protótipo. Foi o caso, por exemplo, da falta de algumas imagens em determinadas partes do AVA. Mas é fundamental que seja avaliado e, portanto, testado o impacto dessa alteração sobre o componente da tecnologia de que aquela peça ou parte alterada faz parte. No exemplo, as imagens melhoraram o entendimento do texto, mas sinalizaram a necessidade de adição de vídeos tocando em aspectos ausentes no texto e nas imagens. Isso é típico das tecnologias: uma alteração provoca alterações que precisam ser conhecidas.

O segundo esquema lógico é inverso: fazer as alterações no componente. No nosso exemplo, o componente era a abertura da aula. A aula, portanto, era o componente da tecnologia, que era o AVA do curso. O reteste foi feito justamente tentando compreender o impacto das alterações sobre a eficácia, a eficiência e a usabilidade de cada aula sobre o aprendizado de cada semana (o curso estava organizado por semanas de aulas). Essa estratégia foca o todo para que se saiba como proceder em relação a uma de suas partes.

O terceiro esquema lógico foca a tecnologia como um todo. No nosso caso, o reteste poderia focar diversos aspectos da tecnologia (o AVA), como eficiência, eficácia, usabilidade, tempo de preparação do AVA, tempo de duração de cada aula, carga horária de cada semana, carga horária total de leituras, carga horária total de vídeos, satisfação dos alunos com o AVA e assim por diante. Os retestes, mais uma vez, precisam se concentrar apenas nos testes em que o protótipo foi reprovado. A estratégia é o foco que justifica os devidos reparos, como será mostrado depois.

Infelizmente tem sido muito comum que protótipos que não foram submetidos a nenhum tipo de testes sejam considerados tecnologias prontas para serem utilizadas. Isso tem acontecido com muita frequência no campo do ensino. Dispositivos, artefatos físicos, processos, metodologias e diversos outros meios são divulgados como produtos quando, na verdade, são apenas protótipos. E cai-se na ilusão de que se tem algo capaz de solucionar problemas e nem se percebe que os testes de verdade vão apenas começar quando os benefícios esperados não acontecerem. Fazer testes e retestes previne do fracasso.

Daniel Nascimento

É Professor e Pesquisador do Instituto Federal do Amazonas (IFAM)

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