Daniel Nascimento-e-Silva, PhD
Professor e Pesquisador do Instituto Federal do Amazonas (IFAM)
Em ciência, é muito comum que o ambiente produza alterações significativas nos resultados das pesquisas, especialmente quando envolvem experimentos. Essa é uma das razões, por exemplo, que justifica a exigência da objetividade científica por parte de muitos cientistas. A ideia de objetividade reside no fato de que é o objeto que precisa ser explicado e compreendido e não o que se imagina que ele seja. A média de idade dos clientes de uma empresa pode ser de 40 anos, decorrente da medida daquilo que está fora do pesquisador, que é a quantidade de anos que cada um viveu até determinado momento. Se isso é bom ou ruim, feio ou bonito, assustador ou aprazível é coisa que varia de pessoa para pessoa, pesquisador para pesquisador, cientista para cientista, de maneira que cada um tem sua posição ao longo desse espectro de valoração; contudo, a média das idades dificilmente vai mudar significativamente. A objetividade visa a constatação por qualquer pessoa de alguma realidade, enquanto a subjetividade é pessoal, não passível de ser constatado por outra pessoa que não seja o sujeito que está expressando seus sentimentos. Isso é fundamental também na criação tecnológica, principalmente porque está vinculado a duas de suas etapas fundamentais, além da prototipagem: testes/retestes e ajustes/reajustes. E seu locus, com o perdão do pleonasmo, está no contexto da prototipagem.
A contextualidade envolve tanto as formas através das quais os protótipos são feitos quanto os cenários onde isso é realizado e onde os testes e ajustes dos protótipos são realizados. A contextualidade é um fenômeno de natureza contínua, o que implica em variado espectro, que vai do contexto completamente aberto ao predominantemente restrito. Embora a contextualidade dê a entender uma conotação exclusivamente ambiental, territorial e física, ela diz respeito mais comumente à quantidade de pessoas que têm acesso à tecnologia sob criação e ao ambiente em que ela está sendo materializada. Em um ponto extremo se tem uma quantidade reduzida, limitada de pessoas, e no outro extremo a abertura quase que total a qualquer tipo de pessoas. Vejamos sinteticamente os quatro aspectos ou tipos contextuais de prototipagem.
A contextualidade restrita geralmente é a primeira forma vivenciada pelos cientistas nas suas criações tecnológicas. A não ser quando a tecnologia está resguardada por sigilos industriais, quando todas as etapas do processo de prototipagem são estritamente controladas, é nessa etapa que as primeiras versões da tecnologia são criadas e, naturalmente, testadas imediatamente. Tanto a prototipagem quanto o teste a que os protótipos são submetidos contam com a presença quase que exclusiva dos cientistas e dos representantes dos clientes e instituição de pesquisa. Por essa razão o ambiente físico é totalmente controlado. É a aprovação nesse contexto que determinará se a tecnologia está ou não pronta para maior abertura.
A contextualidade parcial é uma abertura à participação de outros indivíduos que não os integrantes do projeto tecnológico. Também pode acontecer de os testes da tecnologia serem realizados em outros ambientes que não aqueles onde está sendo criada. Esses procedimentos permitem que os cientistas identifiquem e compreendam percepções diferentes das suas, assim como resultados distintos daqueles que foram obtidos no ambiente de produção tecnológica. Em síntese, esse contexto envolve o público-alvo final da tecnologia ou o ambiente final onde ela será utilizada com focos em aspectos específicos de públicos e de ambientes.
A contextualidade é considerada total quando o público-alvo da tecnologia é convidado para testá-lo no ambiente onde ela está sendo gerada. Um exemplo bastante corriqueiro é o caso dos apreciadores de jogos eletrônicos que são convidados para testar um novo tipo de jogo no laboratório que está sendo criado. Esse tipo de contextualidade permite que os cientistas tenham percepções que precisam ser incorporadas aos protótipos ou, inversamente, eliminação de componentes no protótipo testado.
A contextualidade geral é a que tem a maior abertura possível. É uma experiência de testes generalizada, com variação tanto nos públicos quanto nos ambientes. Podem ser testados inclusive aqueles públicos que não são os alvos da tecnologia, assim como os ambientes para os quais ela não foi criada. Diversas razões justificam e explicam a contextualização geral, principalmente o conhecimento sobre os limites de utilização da tecnologia e os impactos que os ambientes provocam sobre ela.
Esses quatro tipos distintos de contextualidade apresentam um esquema lógico que vai do particular para o geral enquanto trajetória que quase todo protótipo precisa trilhar para que possa ser considerado uma tecnologia. Geralmente começam com as restrições, cujo público é circunscrito aos integrantes do projeto de desenvolvimento, limitado geograficamente ao local onde o protótipo está sendo construído. Em seguida, avança-se na abertura através de convites a pequenas partes do público-alvo para testes dos protótipos no local onde eles estão sendo materializados, o que configura, em última análise, uma extensão da experimentação para aquele público externo. Se reprovado, ajustes e novos testes são feitos, até que o protótipo seja considerado aprovado. Depois, amplia-se o contexto da prototipagem, colocando a tecnologia à disposição dos usuários finais ou no ambiente final onde ela será utilizada. O esquema lógico termina submetendo o protótipo a outros públicos e outros contextos que não aqueles para os quais foi previsto.
A contextualidade no desenvolvimento de protótipos é fundamental para que os cientistas não caiam na ilusão de que suas soluções garantem os benefícios esperados por seus públicos-alvos. O desconhecimento dos fatores contextuais representa grande parte dos esforços de geração tecnológica que fracassam justamente porque seus desenvolvedores estavam certos (ou cegos?) de que estavam fazendo exatamente o que seus clientes queriam. A descontextualização é o correspondente à geração tecnológica do que a subjetivação é para a produção científica. E ambas geram desconformidades entre a realidade e aquilo que dela se diz (ciência) ou que a ela é entregue (tecnologia).