Prototipagem e mercado

Em: 2 de dezembro de 2024

O mercado é um fenômeno que muita gente imagina que conhece, mas que, quase sempre, tem uma visão equivocada. Essa miopia tem causado prejuízos muitas vezes devastadores em muitas propostas de inovação tecnológica, inclusive por equipes compostas por cientistas de elevada capacidade inventiva. Talvez a grande causa dos equívocos seja a natureza abstrata da imaginação da maior parte da população que não tem vivência ou uma formação mais formal acerca do mundo dos negócios. Talvez possa parecer esquisito, mas o mercado é uma realidade mais compreensível para os seus componentes ativos do que seus componentes passivos, como jornalistas e sociólogos. É provável que a vivência permita uma compreensão mais profunda e abrangente do que a imaginação pura e simples oriunda daqueles que não fazem experimentos e testam hipóteses teórico-empírica sobre o funcionamento e elementos componentes do mercado. É como nadar. Nadadores têm conhecimentos difíceis de serem compreendidos por quem passou a vida escrevendo ou fazendo comentários destruidores sobre nadadores e a natação. O que parece ser de uma forma, na verdade, pode ser apenas uma imagem invertida da realidade, como se pode perceber nos discursos, por exemplo, que muitos jornalistas econômicos famosos fazem todos os dias em canais de comunicação voltados para públicos variados e abrangentes. Vejamos alguns aspectos fundamentais que todo membro de equipe de inovação tecnológica precisa compreender.
A primeira coisa é que o mercado é algo que existe de fato, na realidade, e pode ser visto. Isso quer dizer que o mercado é uma abstração. Basta raciocinar a partir da imagem mais concreta que se pode ter, que é o mercado público, que geralmente toda cidade tem. Esse local muitas vezes é um prédio histórico, edificado no início da urbanização da cidade. Se sua cidade não tiver um prédio desses, lembre das feiras onde se vendem produtos hortifrutigranjeiros. As feiras também são um tipo de mercado. O que queremos mostrar é que os mercados são físicos. Embora eles possam ser alcançados atualmente por meios extrafísicos, como a internet, em essência todos eles são físicos, são delimitados geográfica e espacialmente. Nada de imagina, portanto, que um mercado é abstração. Quem pensa os mercados de forma abstrata, na verdade, está apenas imaginando algo, ou seja, seu mercado existe apenas na sua cabeça.
A segunda coisa é que naquele espaço físico chamado mercado, coisas acontecem. De forma mais precisa e sintética, duas formas distintas e interconectadas de coisas. A primeira delas é que pessoas querem vender coisas, que são chamadas de produtos. Produto (e não mercadoria, que é termo anacrônico) é algo físico, que se pode tocar, medir, enfim, usar os sentidos para aferir sua existência. Mas produto também é considerado um serviço, que é coisa intangível, que não se pode tocar, nem medir. Resumindo: nesse lugar, pessoas vendem produtos físicos e serviços. Mas pense: se alguém vende é porque alguém compra. Isso significa, também, que ali há pessoas que querem comprar os tais produtos e serviços que aqueles que querem vender oferecem. Aqueles que vendem são chamados de fornecedores e os que compram, demandantes. Daí vem a primeira coisa esquisita: só haverá um mercado de fato se houver pessoas que vem e pessoas que compram. Se apenas houver vendedores e não houver compradores, não haverá mercado; se apenas houver compradores e não houver vendedores, também não.
A terceira coisa é que o mercado é composto por pessoas. Essas pessoas têm nome e sobrenome. Por isso não são abstratas. Daí duas coisas são decorrentes. A primeira é que é possível contar quantas pessoas querem vender e quantas pessoas querem comprar. É claro que como a quantidade muda, geralmente a gente faz uma estimação razoavelmente precisa sobre o quantitativo. É preciso saber a quantidade porque permite saber quantos produtos ou serviços elas querem comprar ou vender. E se a gente multiplicar a quantidade de produtos pelo preço deles, a gente tem uma ideia maravilhosa sobre a quantidade de dinheiro que o mercado disponibiliza. A segunda coisa é que é possível entrar em contato com essas pessoas e fazer transações. Se eu quero vender, sou ofertante; se eu sou comprador, demandante. Noutras palavras, faço parte do mercado. Ainda que quem vai pagar ou vender seja uma empresa ou o governo, quem age em nome dessa empresa ou governo é sempre uma pessoa. A ciência considera como integrantes do mercado as pessoas e as organizações, assim, de forma genérica, ou muito específico, como governos municipais amazônicos da região da calha Norte ou crianças com autismo que vivem em situação de extrema pobreza.
A quarta coisa é que é preciso preencher requisitos para ter e fazer parte do mercado. Os requisitos dos demandantes são dois: o primeiro é preciso querer, ter vontade, estar determinado a comprar; o segundo, é preciso ter dinheiro para comprar. Se só tenho vontade e não tenho dinheiro, não sou demandante e estou fora do mercado; se tenho dinheiro e não quero comprar, também. Os requisitos dos ofertantes são dois também: ter o produto ou serviço para vender e querer vender. Se faltar um desses requisitos, também não há mercado.
O que queremos mostrar com essas quatro observações sobre o mercado é que a equipe de inovação tecnológica precisa fazer um esforço para determinar o mercado de sua invenção, se for esse o caso. A experiência tem constatado o direcionamento da inovação para nichos (partes específicas) de mercado, mas uma quantidade enorme de tecnologia é feita sob demanda, o que faz com cada uma dela esteja fora do mercado. A razão disso é que os mercados são compostos de um número razoável de compradores e vendedores, ainda que sejam em número reduzido, como as operadoras de telefonia celular, que não chegam a dez em muitos lugares do Brasil.

Daniel Nascimento

É Professor e Pesquisador do Instituto Federal do Amazonas (IFAM)
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