22 de novembro de 2024

Prototipagem e stakeholders

Um projeto de inovação tecnológica sempre apresenta uma série de pessoas com algum tipo de interesse sobre a tecnologia que se pretende gerar. Tecnicamente, quem tem algum tipo de interesse é chamado de stakeholder. Contudo, há uma série de questões que estão por trás desse conceito e que precisam ser de conhecimento de todos os que fazem parte das equipes de inovação, tanto os cientistas quanto seus gestores. A falta de conhecimento sobre essas implicações tem levado ao fracasso de inúmeros empreendimentos tecnológicos e que, também por desconhecimento, suas causas têm sido colocadas sobre outras dimensões nas análises de causa-efeito, o que leva, por desdobramentos, a novas falhas. Muitas vezes esses contínuos fracassos redundam no abandono ou descontinuidade dos projetos. Neste sentido, vamos apresentar três blocos de entendimentos lógicos que explicam a fundamentalidade dos stakeholders no sucesso ou fracassos dos esforços de geração de tecnologias.

A primeira questão que precisa ser conhecida é o sujeito de interesse. Um stakeholder pode ser um indivíduo, um grupo de pessoas, uma organização, um grupo de organizações e até um ecossistema organizacional. Um indivíduo é tomado isoladamente, como um CEO de uma instituição de pesquisa e até mesmo a chefia do departamento onde a inovação está sendo processada. Há diversos casos de sabotagem em que esses dirigentes são os autores uma vez que o sucesso do empreendimento tecnológico poderia, na sua imaginação, trazer alguns prejuízos a eles. É preciso mapear essas pessoas, principalmente para o caso de, em o projeto encontrar entraves, se saber como serão suas atitudes. A mesma preocupação é devida para outros grupos de pessoas, seja da própria instituição de pesquisa ou de outras organizações e da comunidade.

As organizações e grupos organizacionais quase sempre representam empresas e instituições. Sempre haverá organizações que tenham algum interesse nos nossos projetos, sejam elas as que são parceiras, como as financiadoras e apoiadoras, sejam elas as concorrentes. Os grupos de organizações geralmente agem em conformidade para a proteção de seus interesses coletivos. Afinal, uma nova tecnologia quase sempre representa uma ameaça (ou uma oportunidade) aos seus negócios e aos seus procedimentos atuais. Foi o caso do uso do etanol nos combustíveis (oportunidade para os produtores de álcool e ameaça para os produtores de automóveis), que provocou atitudes distintas em vários segmentos de interesse. Os ecossistemas organizacionais apresentam reações similares aos de grupos organizacionais, com a diferença do apoio governamental em seus interesses.

O segundo aspecto que precisa ser considerado é o tipo de afetação que a defesa dos interesses provoca. Grosso modo, as afetações são no sentido de evitar ou alterar o curso da inovação tecnológica ou no intuito de apoiá-la. De forma sintética, os interesses são prós ou contra a materialização da tecnologia. Os stakeholders contrários podem estar em todos os lugares, até mesmo na própria equipe de produção tecnológica, apesar de sua ocorrência ser relativamente rara. Grande parte está no departamento de execução, na organização e grupos de organizações que tenham conhecimento do projeto, naturalmente. Os stakeholders favoráveis estão majoritariamente na equipe do projeto, departamento e organização e no grupo de organizações parceiras. Muito raramente estão além disso.

O terceiro aspecto diz respeito ao foco do interesse. O primeiro foco a despertar algum tipo de interesse de indivíduos isolados, grupos de pessoas e organizações é o próprio projeto. Quando isso acontece, é o conhecimento dos processos e detalhes da tecnologia que está sendo “cobiçada”. Processos e design tecnológicos podem ser facilmente transformados em patentes e reserva de direitos autorais. Esses grupos têm interesse em ter participações no que as descobertas os podem auferir nos médio e longo prazos. O segundo foco são o produto, a tecnologia que vai ser gerada. O que lhes importa são os benefícios que terão pelo uso da tecnologia ou os seus licenciamentos, disponibilizados a terceiros mediante contratos de uso. Noutras palavras, querem ganhar dinheiro tanto pelo uso quanto pelo licenciamento.

Dois outros focos merecem muita atenção. Um são os resultados que a tecnologia pode trazer; o outro são os objetivos finais do projeto. Uma tecnologia que fosse capaz de fazer dentes nascerem de novo no sistema bucal (como está sendo testada nesse momento) pode ser do interesse de grande parte da população e até do governo, mas pode ter como stakeholders contrários as fábricas de próteses e profissionais odontólogos. É preciso identificar os stakeholders que focam os benefícios e efeitos colaterais da tecnologia. Os objetivos finais do projeto são as transformações que pretende provocar na realidade, seja em uma área geográfica, seja em um segmento de pessoas ou noutros aspectos identificáveis. Pode-se desenvolver uma tecnologia para resolver o problema da fome em regiões miseráveis onde as pessoas morrem por não terem o que comer. De forma parecida com os benefícios, haverá indivíduos, grupos de pessoas e organizações em seus variados tipos com interesses nos objetivos finais do projeto. É bom sempre levar que muitas vezes os objetivos finais de um projeto de inovação tecnológica estão diretamente vinculados ao alcance de objetivos estratégicos da organização que a desenvolve e, consequentemente, no cumprimento de sua missão organizacional ou institucional. Isso eleva em muito a sua capacidade competitiva.

Quando os gestores profissionais falam de stakeholders não estão se referindo apenas a pessoas que têm algum interesse no sentido popular do termo. Ter interesse significa agir a favor ou contra. Quem não tem interesse é indiferente à tecnologia que será gerada e ao seu projeto. A prova incontestável da falta de interesse é a inação, a falta do agir. Quem tem interesse age. E porque age, é possível que cada indivíduo, grupo de pessoas e organizações possa ser identificado. A identificação é fundamental porque faz parte da própria definição de stakeholder. Se não for identificável, ele não existe.

Daniel Nascimento

É Professor e Pesquisador do Instituto Federal do Amazonas (IFAM)

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