Prototipagem e usabilidade

Em: 27 de dezembro de 2024

Usabilidade é um termo que tem se transformado em panaceia, principalmente na área de desenvolvimento de software. Mas quase tudo é praticamente apenas aparência. Fala-se constantemente em usabilidade para praticamente tudo, tudo é declarado sob a ótica desse fenômeno, mas, na prática, quase nada é feito nesse sentido. E, o que talvez seja pior do que o discurso, o que é feito pouca usabilidade tem. É bem provável que a razão dessa dissonância entre discurso e prática venha do desconhecimento do próprio termo. Para que sejam feitos os devidos esclarecimentos, é fundamental que se conheçam os meandros das taxonomias conceituais comumente utilizadas nas diversas áreas da ciência, o que envolve, naturalmente, a ciência da computação e desenvolvimento de softwares. Geralmente um fenômeno (a usabilidade, por exemplo) é constituído por partes (dimensões analíticas) que, por sua vez, são divididos em elementos menores (categorias analíticas). Disso resulta que, para se falar em usabilidade, é fundamental que se conheçam suas dimensões e cada uma das categorias analíticas que a compõem. Por essa razão, se as dimensões e categorias analíticas forem conhecidas, o discurso sobre usabilidade ganha em objetividade e precisão, uma vez que se vai referir à usabilidade de determinada categoria componente de uma dimensão analítica específica. Vejamos como isso se aplica à usabilidade, que é um fenômeno sobre o qual recaem muitos dos testes e retestes a que os protótipos têm que se submeter e serem aprovados até serem galgados à posição de tecnologia ou produto final.
A ciência considera a usabilidade como facilidade, processo e medida. A usabilidade é equivalente a facilidade porque apresenta como alvo a ser alcançado a utilização da tecnologia ou produto a ser gerado de forma descomplicada e intuitiva. Isso quer dizer que o usuário deve ser capaz de compreender, se não todos, pelo menos os seus mecanismos-chaves. Como processo, a usabilidade representa a consciência de uma trajetória que começa com um estágio de facilidade de manuseio da tecnologia por parte do usuário até o alcance do estágio mais avançado possível, apenas inferior aos especialistas que a construíram. À medida que a tecnologia é utilizada, gera aprendizado que, por sua vez, leva a estágios cada vez mais superiores de uso e aplicação. Finalmente, enquanto medida, a usabilidade especifica, em termos quantitativos e qualitativos, cada estágio de utilização em relação aos benefícios e funcionamento de cada dimensão e categoria analíticas, com geração de dados e informações essenciais para que os desenvolvedores aperfeiçoem cada vez mais a tecnologia ou o produto. Essas três percepções compõem a usabilidade como um constructo, que é uma tentativa de descrevê-la em palavras, também chamado de definição conceitual. Toda definição conceitual precisa ser transformada em definição conceitual, que é onde aparecem as dimensões (partes) e categorias analíticas (subpartes).
Uma das dimensões analíticas da usabilidade é o objetivo a ser alcançado. A tecnologia precisa alcançar o objetivo para o qual foi criado, de maneira que quanto mais próximo do objetivo ela levar o usuário, maior tende a ser a sua usabilidade, traduzido muitas vezes em torno dos benefícios que a tecnologia entrega, também conhecida como eficácia. Naturalmente que o alcance do objetivo depende do grau de interação do usuário com a tecnologia, de maneira que a interatividade é outra dimensão analítica da usabilidade a ser avaliada. Dessa dinâmica objetivo x interatividade aparecem outras dimensões que precisam ser consideradas.
Na maioria das vezes, não basta que a tecnologia alcance o objetivo pretendido com interatividade satisfatória: é fundamental que haja eficiência. Os cientistas consideram que a eficácia precisa ser a consequência da eficiência, que é a otimização de todos os meios, desde o funcionamento de cada peça à máxima interatividade, desde o material de melhor qualidade com menor preço até sua diferenciação plena em relação aos concorrentes, dentre inúmeras outras categorias analíticas. Se a eficácia é a garantia do funcionamento, a eficiência é demonstração do melhor funcionamento possível, duas dimensões da usabilidade.
Eficácia, eficiência, interatividade e menor custo precisam estar em sintonia com a facilidade de uso. O usuário tem que ser o grande especialista no uso da tecnologia ou no manuseio do produto que recebe. O manuseio deve ser entendido tanto no sentido de fazer o artefato gerar os benefícios dele pretendidos quanto no conhecimento das diferentes formas de fazê-lo voltar a funcionar, quando diante de falhas ou inoperatividade, mas com as devidas medidas de segurança, outra dimensão analítica. Dito de outra forma, a usabilidade envolve também facilidade de manutenção, reparo da tecnologia, de forma segura. Quanto maior for a facilidade de uso e manutenção sem riscos demasiados, maior tende a ser a usabilidade que um artefato tecnológico entrega aos seus usuários.
Uma dimensão da usabilidade quase sempre esquecida pelos cientistas é o prazer. Um artefato que tem usabilidade de verdade entrega prazer de diversas formas. Uma delas é a apreciação visual da tecnologia, tal qual acontece com as obras de arte; outra forma é durante o uso, uma vez que os benefícios que gera dão uma sensação de alívio no suprimento de necessidades específicas; e uma terceira é durante o reparo diante de momentos de falhas, porque gera aprendizado. São nesses momentos que aprender é prazeroso.
A usabilidade não pode ser mais tomada como uma panaceia, que é um tipo de remédio que serve para todos os males. Ela representa um esforço de facilidade de uso com toda a abrangência e profundidade que a palavra “facilidade” contém. Cada tecnologia tem sua usabilidade específica, o que equivale a dizer que tem suas dimensões analíticas, que são especificações técnicas e operacionais que permitem o uso sem complicações, e as categorias analíticas correspondentes, que são aspectos específicos de cada dimensão que precisam ser medidos e aferidos com testes e retestes que, por sua vez, exigem as devidas alterações e melhorias nos protótipos. A usabilidade é um dos grandes desafios dos cientistas na fase de prototipagem tecnológica.

Daniel Nascimento

É Professor e Pesquisador do Instituto Federal do Amazonas (IFAM)
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