7 de setembro de 2024

Protótipos: Aspectos visuais

Vivemos a era da tecnologia. Há tecnologias de todos os tipos e variações por todos os lados. Mas, apesar desse mar tecnológico, ainda é muito difícil encontrar uma dela que esteja em consonância com o que a maioria dos usuários deseja. Naturalmente que uma grade parte dessa dissonância é decorrente da impossibilidade de se tornar todos iguais todo os seus usuários e clientes, mas uma parte altamente significativa das falhas das tecnologias é decorrente de uma espécie de miopia essencialmente humana, que é a imaginação de que o público-alvo pensa e sente como os inventores das tecnologias imaginam. Aliás, a imaginação já é um passo muito grande em direção à alteridade, que é a capacidade que poucos têm de se colocar no lugar do outro, uma vez que a quase totalidade dos inventores sequer tem essa desconfiança, de que os usuários e clientes podem querer as coisas de forma diferente daquela que queremos que eles queiram. Um exemplo clássico dessa atitude egóica é do gênio da humanidade, inventor da popularização dos automóveis, com sua afirmativa de que os seus clientes poderiam escolher qualquer cor de carro, desde que fosse preta. Ford disse isso não porque era uma pessoa má, mas porque pensava e agia de forma semelhante à que quase todos nós, cientistas, fazemos ainda hoje. Mas há luzes chegando a essa penumbra que domina os caminhos da prototipagem.

Duas dessas luzes vêm das práticas de geração de produtos digitais. Ambas colocam os usuários e clientes como copartícipes de todo o processo de criação, justamente para impedir que o resultado espelhe a imaginação dos produtores em dissonância com o que é almejado pelo público-alvo. Dito de forma inversa, o que é pretendido é que a tecnologia saia próximo do desejado por quem efetivamente vai usá-la. É por isso que o usuário é o centro do esforço de prototipagem e da própria denominação das técnicas de prototipagem. A primeira mostra que é fundamental que a tecnologia que se pretende materializar seja feita em conformidade com a experiência do usuário. É chamada de UX devido à moda que se tem de “inglesar” quase tudo da área de tecnologia da informação e comunicação, uma vez que seria uma forma de simplificar a frase “user experience”. O interessante é que, atualmente, a UX não se limita ao produto em si, mas a diversos aspectos relacionados decisivamente ao sucesso da tecnologia, o que envolve a participação do público-alvo também na redação dos manuais técnicos e operacionais da tecnologia, estratégia de colocação da tecnologia no mercado, além da usabilidade, design e arquitetura. A UX funciona como uma espécie de guia que reduz em grande parte as possibilidades de fracasso das tecnologias.

Na UX, o usuário participa, mas quase não vê o que está sendo feito. Por exemplo, não consegue ver e entender as programações que os desenvolvedores fazem, assim como dificilmente compreenderá a aplicação do marketing-mix e a complexa legislação de transferência de tecnologias. Mas tem outra luz que faz com que, indiretamente, haja um reforço à UX, que tem o acrônimo de UI, também decorrente da moda de “inglesamento”, correspondente a “user interface”. É aqui que se concentram os esforços fundamentais dos aspectos visuais da tecnologia para que suas funcionalidades e benefícios estejam de acordo com o que o público-alvo espera e, ao mesmo tempo, isso seja visto, percebido pelos olhos e sentidos como tal. Se, por um lado, a UX quer que a tecnologia efetivamente funcione adequadamente para suprir determinadas necessidades, a UI tem o desafio de chamar a atenção para os olhos em direção a essas possibilidades de suprimento. Vejamos alguns exemplos singelos de como os aspectos visuais levam ao sucesso das tecnologias e à satisfação dos públicos-alvos.

Um grupo de pesquisadores se colocou o desafio de colocar no mercado um produto diferente dos que comumente eram considerados um fracasso. Era um aparelho de solda. Fizeram dois protótipos diferentes e resolveram testá-los com os públicos-alvos. Ao verem os protótipos, os usuários não sabiam ao certo o que seriam, para surpresa dos cientistas. Como não foram capazes de distinguir visualmente o equipamento de solda? Simplesmente porque não se parecia como tal. Os usuários propuseram um desenho de três possíveis equipamentos, para três grandes grupos de aplicações, o que também surpreendeu os pesquisadores. Desfizeram-se dos seus protótipos prévios e resolveram seguir as orientações daquele grupo de usuários. Avançavam apenas com as suas orientações. Construíram equipamentos que tinham cara de ferramenta de solda e que era facilmente reconhecido por todo mundo. E com uma série de vantagens adicionais, principalmente relativas à competitividade comercial.

Antigamente as sandálias de borracha eram chamadas de sandálias japonesas e praticamente não tinham diferenciações. Como eram baratas, eram usadas por pessoas de baixa, sendo considerada produto de pobres. Hoje há uma grande variedade, com diversos tipos de produtos e tecnologias incorporadas, cujos preços de aquisição chegam aos milhares de reais. Essas alterações foram frutos tanto da experiência quanto da “interface” dos usuários, que também está presente em tecnologias prosaicas, como o ato de ensinar. Muitos professores têm feito o milagre de fazer todos os seus alunos aprenderem e serem aprovados porque colocam no centro de seus esforços a experiência dos seus alunos para que possam utilizar os esquemas que esses docentes criam para gerar algum produto e, por esse meio, aprender de verdade. A tecnologia consiste em um processo em que os alunos usam suas experiências para dar sentido a esquemas de produção com o uso dos esquemas inventados pelos professores. A aprendizagem é plena, o que significa que não se esquece nunca.

Os aspectos visuais são uma característica típica da contemporaneidade. Por isso são muito valorizados. As estratégias UX e UI estão todas voltadas para a garantia da satisfação dos usuários por lhes entregar tecnologias que efetivamente suprem suas necessidades. Isso significa que produtos com visuais agradáveis e que entregam as soluções procuradas têm mais probabilidade de sucesso que os desagradáveis, ainda que sejam eficazes nos seus propósitos. Não basta ser bom. É preciso, também, parecer bom.

Daniel Nascimento-e-Silva, PhD

Professor e Pesquisador do Instituto Federal do Amazonas (IFAM)

Daniel Nascimento

É Professor e Pesquisador do Instituto Federal do Amazonas (IFAM)

Veja também

Pesquisar