Daniel Nascimento-e-Silva, PhD
Professor e Pesquisador do Instituto Federal do Amazonas (IFAM)
Os protótipos funcionais são um verdadeiro desafio para todo e qualquer cientista. Nas comunidades científicas há até o mito ou lenda de que a grandeza de um cientista é dada pela sua capacidade de construir protótipos funcionais. Mitos e lendas, quase sempre, são criados com base em alguma realidade fática, de maneira que, se eles existem, não estão desacoplados da realidade. Mas o desafio persiste, tanto que, para começar, é necessário que se compreenda o sentido do termo “funcional”. Um avião funciona quando consegue alçar voo e aterrissar em segurança. Um aplicativo funciona quando todas as suas funcionalidades (com o perdão do pleonasmo) estão efetivas. Isso é óbvio, qualquer um poderia afirmar, com toda razão. Mas tente representar esquematicamente um funcionamento. Experimente fazer um desenho de um avião funcionando ou de um aplicativo. Se você desenhar a aeronave batendo as asas, como se fosse um pássaro, essa representação não é um protótipo porque não é esquemática, que é outra palavra mágica para se entender o que efetivamente os cientistas consideram como funcional. Sabe-se que “funcional” vem do verbo funcionar, mas como fazer um protótipo da funcionalidade de um artefato ou de um processo? O que deve ser levado em consideração?
A primeira coisa que se deve ter em mente para a prototipagem funcional é a ideia de todo e partes. Não importa qual seja o fenômeno ou o objeto: se supomos que existe ou que seja capaz de existir, ele é feito de partes. Uma ponte é um objeto com inúmeras partes, como os aviões. Os átomos e seus componentes também. Não importa que o objeto seja muito grande ou muito pequeno. O que importa é que ele é feito de partes e cada uma de suas partes pode ser identificada e representada, desenhada.
A segunda coisa a se considerar é que há objetos simples e objetos complexos, é óbvio. A complexidade é medida pela quantidade de partes que o compõem. Um lápis é um objeto simples, composto pelo envoltório do grafite, o grafite e a tinta que embeleza o envoltório. Mas há lápis com borracha em uma das pontas, o que aumenta a quantidade de seus componentes. Este exemplo mostra que o lápis sem borracha é mais simples (ou menos complexo) do que o que tem borracha. Mas tem artefatos como as naves espaciais, cujo exemplo mais atual é o Telescópio James Webb. Ali há centenas de milhares de componentes. Esses componentes estão na própria espaçonave e em terra, uma vez que os instrumentos que o controlam podem ser considerados suas partes, de modo que, sem eles, o artefato não fica funcional. Isso não quer dizer, contudo, que ele não funcione, que não fotografe, não capte raios infravermelhos e assim por diante. Ele não funciona sem os equipamentos em terra porque não conseguirá cumprir com a sua missão.
Daí advém a terceira coisa que se tem que levar em consideração na prototipagem funcional: tudo tem uma finalidade, tudo tem uma razão de existir. O que não tiver motivo para existir a própria natureza se encarrega de sua descontinuidade. A razão de existência é melhor entendida quando vinculada à apresentação de resultados. A missão de uma fábrica de sapatos (a fábrica é um artefato, assim como cada sapato) é, naturalmente, suprir as necessidades de calçados de um determinado ambiente. Cada parte da fábrica (como o departamento jurídico e o departamento de produção) também têm sua finalidade, têm resultados a apresentar. De forma semelhante, toda tecnologia também é um todo com uma missão a cumprir. Essa missão é a consequência ou somatória das missões ou funcionalidades de cada uma de suas partes, componentes, subcomponentes e peças. Uma tecnologia, como o James Webb, é uma coletânea de partes trabalhando em conjunto, cumprindo cada qual suas finalidades, para a geração de resultados planejadamente pretendidos e monitorados continuamente em busca de aperfeiçoamento.
O que cada parte faz para gerar o resultado pretendido é a sua função. Em uma organização comercial, o departamento de compras faz as compras, enquanto o departamento financeiro cuida da entrada e saída de dinheiro (na verdade, dos bens, direitos e obrigações) da empresa. O que o departamento de compras faz para realizar as compras é a sua funcionalidade. De forma semelhante, todas as ações praticadas pelo departamento financeiro para gerar os resultados que lhe são atribuídos é a sua funcionalidade. Uma funcionalidade, portanto, é aquilo que uma peça, subcomponente, componente, parte e tecnologia fazem para gerar aquilo para o qual foram ou serão criados.
Finalmente, as tecnologias muitas e muitas vezes funcionam em forma de camadas sobrepostas. Por exemplo, um conjunto de peças forma um subcomponente. Esse subcomponente tem seu funcionamento derivado do funcionamento individual de cada peça. Quando dois ou mais subcomponentes são acoplados produz-se outro resultado pretendido, que é o funcionamento do componente de que são partes. A forma como cada grupos de componentes trabalham juntos é sua funcionalidade e assim sucessivamente, até que se tenha a forma como a própria tecnologia, que é o todo, gera os resultados, que é a sua funcionalidade. Uma tecnologia, portanto, é um sucedâneo de funcionalidades. E uma funcionalidade nada mais é de como cada componente trabalha, como gera os resultados que tem que apresentar.
A prototipagem funcional é talvez o maior desafio dos cientistas porque prever a maneira como cada peça funciona para gerar o resultado pretendido por uma tecnologia não é fácil. Muitas vezes uma mente humana, sozinha, não é capaz. Por isso se formam as equipes de projeto que, por sua vez, muitas vezes não são possíveis. E pedem ajuda a equipamentos sofisticados e conjuntos de equipamentos (como os laboratórios) para gerar a tecnologia. Acontece que, também muitas vezes, isso não torna possível a materialização do artefato. Então estruturam-se verdadeiras redes de cientistas de todo o mundo com esse intuito. São assim as naves espaciais e os grandes colisores de hádrons, algumas das mais complexas tecnologias já construídas.