23 de novembro de 2024

Questão de Ordem

Anderson F. Fonseca. Professor de Direito Constitucional. Advogado. Especialista em Comércio Exterior e ZFM. IG: @anderson.f.fonseca

Há segundo dados apurados pelo Ministério da Educação em 2020, cerca de 1.700 cursos de Direito no Brasil, de onde saíram os 1,3 milhão de advogados aptos a exercerem regularmente a profissão em nosso país. De acordo com estes dados o curso de Direito continua sendo um dos mais procurados por estudantes brasileiros e a advocacia a profissão mais prestigiada em vista do entendimento de que a mesma possui ainda uma aura, um sentimento, um papel importante na defesa da democracia e dos direitos humanos.

Diante deste quadro é de se concluir ou pelo menos de se esperar que a prática jurídica, principalmente da advocacia, esteja cada vez mais na vanguarda da sociedade, com profissionais capacitados, desenvolvendo suas diversas habilidades sem maiores percalços, valorizando e respeitando-se o papel republicano do advogado, afinal é a única profissão regulamentada a constar formalmente no texto Constitucional com destaque a ser indispensável à administração da justiça.

Nesta mesma senda é de se esperar igualmente que a representação da classe, i.e, a Ordem dos Advogados do Brasil tenha mantido o seu lugar histórico de ser a instituição primeira na defesa da democracia e dos ideais republicanos, representando não somente os advogados como também sendo a caixa de ressonância dos anseios sociais, presente nos momentos de crise, trazendo a necessária ponderação e reflexão nas causas que afetam a todos, além é claro de uma defesa firme e inegociável das prerrogativas e direitos tão caros ao exercício da profissão, afinal estes nada mais são do que garantias da cidadania.

Apesar de serem estas as conclusões que se poderia chegar em uma primeira visão das comemorações deste 11 de agosto, dia da criação dos primeiros cursos jurídicos em São Paulo e Olinda em 1827 por ninguém menos do que o próprio Imperador D.Pedro I, no afã de pensar e refletir as necessidades brasileiras, a realidade parece um pouco distante do ideal ou do idealizado por aquilo que se espera ou pode-se esperar da advocacia.

Longe de “fulanizar” a questão, não é este o propósito desta pequena contribuição ao debate, mas vejamos se nos últimos tempos não temos tido situações assaz preocupantes para observar, toda sorte de ataques e desafios nos planos micro e macro do exercício da advocacia, de propostas que vez em quando aparecem para extinção do exame da Ordem, garantia de um mínimo de habilitação técnica dos profissionais do Direito, porta de entrada de muitos ao mercado de trabalho jurídico, passando pela tentativa de controle por parte do Tribunal de Contas das finanças da autarquia especial que é a OAB, custeada quase que exclusivamente com a contribuição de seus integrantes, não percebendo nenhuma verba pública, até a mais recente discussão acerca da proposta de limitar a atividade da advocacia ao jovem advogado, somente podendo acessar os tribunais superiores após prova de 10 anos de prática.

De se ver que somente no plano mais amplo estes desafios se apresentam, contudo, vê-se dia após outro o advogado tendo obstáculos quase que intransponíveis a vencer, concorrência desleal, aviltamento de honorários (mesmo daqueles que possuem grandes bancas ao remunerar seus associados), abusos e excessos cometidos por todo tipo de autoridades ou nem tão autoridades assim, incompreensão por parte dos clientes, cobranças pessoais e familiares, retorno financeiro por vezes aquém do esforço desprendido na causa.

O que dizer da representação institucional, por vezes exclusiva e não inclusiva, seletiva no tocante a defesa de causas, não por outra razão há sérios questionamentos da militância sobre problemas enfrentados sem o devido amparo institucional, como a (im)possibilidade de acesso aos autos e inexistência de audiências de custódia aos detidos nos atos de oito de janeiro, comprometendo e muito a ampla defesa, violação de prerrogativas com o impedimento de participar na colheita de provas, inversão de ritos processuais, alijamento e a quase-criminalização da advocacia criminal, atribuição de honorários longe dos parâmetros estabelecidos pela própria lei, dentre tantos outros.

Qual a resposta a tudo isto, em sua maioria notas de repúdio e lives nas redes sociais, sem esquecer das inúmeras festas, celebrações, encontros, festivais, corridas, entregas de prêmios e certificados, dentre outras ações da mesma jaez que realmente engrandecem o legado da instituição e resolvem todos os problemas enfrentados.

Mas penso que nem tudo é neste estado de coisas, ainda há aqueles que fazem jus ao chamado, ao verdadeiro chamado da advocacia (ad vocatus = chamar ao lado), os que sabem o verdadeiro significado de não sermos parte de uma profissão para covardes, aqueles que militam, que estão nos fóruns , delegacias, promotorias e todas as instâncias de justiça e governo defendendo arduamente seus constituintes, os que tem dias longos e noites curtas, os pensadores do direito, queimando o óleo da meia noite para trazer de volta a dignidade das pessoas, o primeiro e último bastião da defesa de direitos, do resgate do que é realmente ser advogado.

Inegável que não temos uma situação perfeita, longe disto, contudo somente apontar defeitos sem oferecer caminhos é inócuo, neste 11 de agosto devemos como classe e como sociedade primeiramente refletir no que temos no presente, fazer um balanço do que até aqui conseguimos e nos perguntar: é isto que queremos? é este o legado que espero deixar para as próximas gerações?

Eduardo Couture jurista uruguaio tornou-se famoso por elaborar os dez mandamentos do advogado, em seu mandamento de número 10  lê-se: “Ama a tua profissão”, com a seguinte evocação : “Procure considerar a advocacia de tal maneira que, no dia que seu filho pedir conselho sobre o futuro, considere uma honra aconselhá-lo a ser Advogado

Por mais difícil que possa parecer, por mais escura que seja a noite, a Advocacia ainda é a tocha de esperança a tentar iluminar os caminhos, ainda vale a pena lutar pelo Direito, ainda é tempo de transformação, de corrigirmos nossos rumos e fazermos em realidade todas estas boas aspirações, inclusões e defesas, questão de Ordem. Sigamos na luta.

Aos irmãos e irmãs de classe de ontem e de hoje, um feliz dia da advocacia

Anderson Fonseca

Professor de Direito Constitucional. Advogado. Especialista em Comércio Exterior e ZFM

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