22 de novembro de 2024

Raios de esperança ao meio ambiente no Amazonas 

Daniel Borges Nava*

*Geólogo, Analista Ambiental, Professor Doutor em Ciências Ambientais e Sustentabilidade na Amazônia e Pesquisador do Grupo de Pesquisa Química Aplicada à Tecnologia da UEA.

No passado recente, vivemos tempos sombrios ao meio ambiente. O retrocesso do último Governo Federal, negacionista em sua essência, desregulamentou o SISNAMA – Sistema Nacional do Meio Ambiente, defendendo a militarização do controle ambiental ou mesmo a sua inexistência. Entregues à própria sorte, vivenciamos na Amazônia o descalabro da ambição humana: o genocídio de povos indígenas, o crescimento das operações ilegais do garimpo associadas ao desmatamento e incêndios criminosos, à grilagem de terras, ao narcotráfico. 

Os resultados da perda da floresta amazônica identificados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE no período, demonstram que, na democracia, escolhas erradas podem ser revistas.  É preciso dar nomes aos bois. O fiasco da política ambiental do “passa boiada” espero, nunca mais volte.

Os estados federativos reproduziram o descaso ambiental. O exemplo do Amazonas não foi diferente. O último concurso público do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas – IPAAM foi no Governo Eduardo Braga, em 2008, faz 16 anos. 

Eram tempos em que o controle ambiental forte (licenciamento, fiscalização e monitoramento) sinalizava a correta instalação e operação de grandes obras estruturantes da economia amazônica, a exemplo do gasoduto Coari – Manaus que cruzou mais de 600 km no coração da floresta, levando energia e insumos ao Polo Industrial Amazonense, deixando a marca conceitual do chamado desenvolvimento sustentável. 

Aqui na Amazônia, ou em qualquer outro ponto do planeta, um bom programa econômico de desenvolvimento só se sustenta se estiver atrelado ao fortalecimento das ações de controle ambiental no seu território. Assim, a (re)construção institucional do SISNAMA e dos respectivos sistemas estaduais e municipais de meio ambiente urge como estratégia brasileira. 

Nesse sentido, o mês de maio trouxe raios de esperança ao Amazonas com a publicação no Diário Oficial do Estado, da Lei nº 6.868 que instituiu o Plano de Cargos, Carreiras e Remuneração dos Servidores do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas – IPAAM. Percorridos mais de cinco anos de debates exaustivos venceram a resiliência dos servidores do IPAAM e a inteligência no Governo Wilson Lima.

Na prática, a Lei, como marco ambiental, instrumentalizou ações específicas ao desenvolvimento e valorização dos servidores do IPAAM, disciplinando o sistema de cargos e da carreira de especialistas em meio ambiente, mediante alguns princípios que destaco:  legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência e isonomia; a profissionalização e a competência no desempenho de atividades, objetivando a eficiência, qualidade e a transparência dos serviços; a manutenção permanente de uma programação sistemática de capacitação, aperfeiçoamento e qualificação do servidor.

E chega num momento importante quando o Brasil retoma a sua agenda ambiental nacional e internacional, recuperando com a COP 2025 em Belém do Pará, a tênue governança sobre a Amazônia, ainda, muito no discurso político, mas, pouco, na prática.  

Garantir governança socioambiental na Amazônia passa por enfrentar a ausência de uma política territorial de desenvolvimento que suporte o direcionamento dos recursos naturais abundantes à riqueza dos indicadores de desenvolvimento humano necessários e à conservação dos nossos valores de bem viver.  Ainda brigamos na Amazônia pelo simples direito de ir e vir, enquanto as companhias aéreas faturam alto, rindo de nós e da nossa falta de infraestrutura logística. 

De férias, reli o trabalho sobre a Agenda de Desenvolvimento Territorial para a região da BR-319: fortalecendo territórios de bem viver do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas, além dos diversos Planos de Gestão das Unidades de Conservação, elaborados há mais de 10 anos pela excelente parceria entre a Universidade Federal do Amazonas, o Centro de Unidades de Conservação do Governo do Amazonas e o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes – DNIT, todos, territórios criados para a proteção da estrada-parque, BR-319.

Em tempos de mudanças climáticas, não me restam dúvidas quanto à urgente revitalização da principal ligação terrestre entre Porto Velho e Manaus. Para tanto, me parece prudente que o Brasil saia do discurso, reconheça e fortaleça sua capacidade de governança nos estados federativos da Amazônia, e, valorize a produção científica das instituições de referência local. Não podemos continuar sendo um País refém da ausência do olhar estratégico para a Amazônia.

A revitalização da BR-319 é para o Amazonas e para a Amazônia uma causa, nossa causa, não efeitos de decisões palacianas. Somos nós que enfrentaremos a guerra do clima, como já enfrentamos, isolados, a falta de oxigênio e o negacionismo político. Num território essencialmente hídrico como o nosso, as mudanças climáticas expõem a cada ano, nossas vulnerabilidades naturais, a exemplo da nova escassez de águas nas hidrovias com consequente isolamento de comunidades ribeirinhas prevista para o segundo semestre de 2024. 

As boas escolhas devem ser valorizadas e agradecidas. A importante decisão do Governo do Amazonas em fortalecer o IPAAM, responsável pela execução da política estadual de meio ambiente e dos recursos hídricos, responde aos anseios da sociedade amazonense que aprendeu na prática do bem viver, com os pés nos desafios ambientais do século XXI, a entender o seu papel humano na natureza. 

Nosso desejo que o exemplo do Amazonas possa ser seguido. Fortalecer a capacidade de governança socioambiental nos sistemas estaduais de meio ambiente pode prevenir tragédias. Ou respeitamos e cuidamos, ou poderemos ser destruídos pela inércia governamental ou pelo negacionismo.

O evento extremo no Rio Grande do Sul mostra que é preciso ter mais que história, tradição e pujança cultural. Todo o conhecimento científico, político, econômico, cultural e social não foi suficiente para evitar o colapso urbano ambiental. 

Reforço o pedido de solidariedade ao povo gaúcho!

Daniel Nava

Pesquisador Doutor em Ciências Ambientais e Sustentabilidade da Amazônia do Grupo de Pesquisa Química Aplicada à Tecnologia da UEA, Analista Ambiental e Gerente de Recursos Hídricos do IPAAM

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