Daniel Nascimento-e-Silva, PhD
Professor e Pesquisador do Instituto Federal do Amazonas (IFAM)
Tem muitas e muitas coisas das “aulas de português” que não vejo sentido algum ensinar para quem não pretende ser especialista em “português”. Naturalmente que posso estar redondamente enganado, mas até agora essas muitas coisas continuam a não fazer sentido. Pelo menos não da forma como os professores de português ensinam. Por exemplo, de que me serve saber que uma oração é ou não coordenada assindética, se eu pretendo apenas escrever um textinho qualquer para ser entendido pelo meu destinatário? De que me vale decorar as regras de identificação de uma oração subordinada substantiva completiva nominal, se não tenho a mínima intenção de ser crítico linguístico ou literário? Valeria muito mais a pena fazer textos com esses tipos de orações. Aulas de português deveriam servir para a gente aprender a ler e a escrever. É o caso dos períodos, que têm uma utilidade gigantesca no desafio de se fazer compreender pela escrita e de entender o que os outros escrevem. Grandes cientistas são craques em construir períodos. Mas eles os fazem de forma oposta ao que os professores de português ensinam. Claro, cientistas querem se fazer entender; professores de português querem que decoremos a estrutura das frases. Vejamos como os cientistas raciocinam e aplicam a essencialidade dos períodos.
Para os professores de português, via de regra, um período é uma frase que tem pelo menos uma oração. Daí vêm aquele monte de explicações que não entendemos sobre o que é uma frase, o que é uma oração e os infinitos tipos e categorias oracionais. Resultado: não entendemos bulhufas. Resta, então, decorar. Para os cientistas, um período é uma afirmativa, uma explicação ou um exemplo. Afirmativa: “O sol nasceu meio amarelado hoje”. Explicação: “O sol nasceu meio amarelado hoje porque tinha muita fumaça de queimadas no ar”. Exemplo: “A fumaça das queimadas deixam o sol com aparência amarelada porque a fuligem que se espalha pelo ar retém as partes amareladas e avermelhadas do espectro das cores”. Indo mais além, uma afirmativa é uma tese, uma descoberta, algo que queremos comunicar. Uma explicação é sempre uma relação de causa-efeito, em que pretendemos mostrar o sentido, a lógica, o segredo que faz com que aquela afirmativa seja compreendida. Um exemplo é todo tipo de demonstração do sentido de uma afirmativa. Essas três coisas estão imbrincadas, intimamente relacionadas, de maneira que algo só se torna compreensível se elas estiverem presentes. Por essa razão essas são as três componentes estruturais de um parágrafo científico.
Existem duas possibilidades de redação de parágrafos de textos científicos. A primeira é estruturada em A-E-E, que costumo chamar também de AE2, que começa com uma afirmativa (A), prossegue com a primeira explicação (E) e termina com a segunda explicação (E). A segunda possibilidade é a composta pela estrutura AEEx, que começa com a afirmativa (A), prossegue com a explicação (E) e termina com um exemplo (Ex). Como será mostrado no próximo capítulo, a menor estrutura de um parágrafo de textos científicos tem três períodos. O primeiro período é sempre a afirmativa. O segundo pode ser tanto uma explicação quanto uma exemplificação. Contudo, para apresentar um exemplo depois de uma afirmativa o cientista tem que ter muita habilidade redacional para não cair em profunda ambiguidade, que é coisa que a ciência não admite e não aceita. Por esse motivo é que recomendamos que o exemplo seja sempre apresentado no final do parágrafo. Preferencialmente, o exemplo só precisa ser apresentado quando o autor não tiver mais recursos explicativos para se fazer compreender. Isso significa que o exemplo é a última tentativa do cientista de fazer entender.
Note que falamos que a estrutura mínima de um parágrafo científico tem que ter três períodos. Mas a prática da excelência comunicacional científica mostra que quanto mais períodos um parágrafo tiver, mais elegante é o texto e mais clara a ideia fica. Um parágrafo com uma afirmativa e duas explicações tem muito menos argumentos e recursos compreensivos do que outro parágrafo com oito ou 15 períodos. É por isso que artigos científicos e ensaios teóricos de cientistas renomados têm parágrafos com 15, 20 ou mais linhas. E é daí que vem justamente a segunda coisa que se deve levar em conta quando da redação científica, que é a relação entre o número de períodos e a quantidade de linhas de que um parágrafo deve conter.
Como já mostramos várias vezes, a ciência trabalha com teses. Teses são afirmativas. E quanto mais ousada for uma afirmativa, obrigatoriamente mais robustas têm que ser as evidências empíricas, as comprovações. Geralmente uma afirmativa contém o mínimo de duas linhas para ser claramente compreendida semanticamente; mas, para ser entendida pragmaticamente, essa afirmativa precisa ser explicada de pelo menos duas maneiras distintas. Cada explicação bem feita consome pelo menos três linhas de texto; daí vem que duas explicações multiplicadas por três linhas dá um total de seis linhas, que somadas com as duas linhas da afirmativa geram um total de oito linhas, que é o mínimo geralmente praticado na redação científica. Exemplos geralmente consomem de cinco a seis linhas. Disso resulta que parágrafos com menos de oito linhas são praticamente incompreensíveis.
Para saber quantos períodos há em um parágrafo, basta contar a quantidade de pontos que têm nele (neste aqui tem nove). Cada ponto marca o fim de um período. Quanto mais pontos um parágrafo tiver, mais elegante ele fica e também mais compreensível ele tende a ser. Pontos forçam a parada na leitura. E cada parada faz com que o cérebro “reflita” sobre o que foi lido. Refletir é retroceder (fletir é curvar-se com essa intenção). Não podem ser muito curtos e nem exageradamente longos. Três linhas para cada um deles é um tamanho que dá cadência, elegância e compreensão. Veja isso analisando artigos científicos de grandes cientistas atuais.