Breno Rodrigo de Messias Leite*
Tornou-se um saber convencional dizer que o mundo está internacionalizando-se; que a globalização é um processo irrefreável; que os países estão cada dia mais integrados em sofisticadas estruturas econômicas, arranjos de cooperação jurídica e acordos diplomáticos. Aos quatro cantos, ouvimos que “problemas globais precisam de soluções globais”; ou que a interdependência econômica criou um grande mercado global capaz de reger a economia do mundo inteiro. Não podemos deixar de lado, é claro, o impressionante avanço científico-tecnológico em todos os campos da vida – das comunicações aos conflitos armados.
Há mais ou menos cem anos, nos estertores da Primeira Guerra Mundial, a elite intelectual europeia debruçou-se sobre os principais assuntos internacionais. Preocupava-se, à época, com os destinos do mundo e da civilização diante da maior atrocidade bélica até então já presenciada nos tempos modernos. A Grande Guerra foi um ponto de virada definitivo na forma de pensarmos e vivermos as relações internacionais.
A criação de uma disciplina para o estudo sistemático dos assuntos internacionais tomou forma em 1917 com a fundação do Departamento de Relações Internacionais, na universidade escocesa Aberystwyth. O projeto inicial tinha como propósito reunir um conhecimento coeso acerca da guerra, das suas causas e consequências nas relações internacionais. Assim, a sistematização científica dos estudos sobre a guerra teria como finalidade livrar definitivamente a humanidade do seu mal. Ao lado dos 14 Pontos de Wilson e da euforia da Belle Époque, os estudos sobre a paz sedimentaram a utopia num mundo melhor, sem guerras e plenamente pacificado.
O otimismo normativo dos primeiros estudos de Relações Internacionais foi imediatamente confrontado pela emergência do realismo político. Edward Hallett Carr, em 1939, publicou Vinte Anos de Crise, um magistral estudo sobre o período do entreguerras, cuja conclusão está assentada no ceticismo do qual a política internacional jamais poderia subsistir sem conflitos militares entre os Estados. Uma década depois, Hans Morgenthau lançaria a sua obra A Política entre as Nações, que reforçaria a premissa de E. H. Carr sobre os imperativos realistas da sobrevivência dos Estados mediante a luta incansável pelo poder na política internacional.
No apogeu da Guerra Fria, as teorias de Relações Internacionais entraram numa nova fase. Comércio, cooperação, interdependência e democracia passaram a fazer parte dos códigos da comunicação diplomática. A descolonização, o terceiro-mundismo e o princípio do não-alinhamento, por sua vez, ressoavam como uma força alternativa à ordem imposta pelas duas superpotências, os EUA e a URSS. Foi neste cenário que a interdependência complexa de Joseph Nye e Robert Keohane e o realismo estrutural de Kenneth Waltz ganharam projeção nos estudos de política internacional.
Já na década de 1980, último decênio da Guerra Fria, um catálogo considerável de teorias passou a explicar o mundo em transformação. Para além dos liberais e realistas, a perspectiva construtivista deu uma contribuição decisiva ao explorar os conceitos de identidade, cultural, sociedade, agente-estrutura. A globalização não significou apenas uma mudança na composição orgânica do capital; foi capaz de operar transformações também no modo de vida da sociedade internacional como um todo.
O fim do século 20 e da experiência da Guerra Fria contribuiu para a consolidação das Relações Internacionais como uma ciência social organizada, coesa e fundamental para o debate público. Hoje, é possível identificarmos seis grandes correntes nos estudos de Relações Internacionais, a saber: 1) Escola Realista, 2) Escola Liberal, 3) Escola Inglesa, 4) Economia Política Internacional, 5) Construtivismo Social e 6) Pós-positivismo.
O estudo das Relações Internacionais segue basicamente dois métodos: um histórico ou analítico. O primeiro pretende atrelar todo o desenvolvimento histórico das relações internacionais (os conflitos militares, os acordos econômicos, as relações diplomática, as parcerias estratégicas, a normalização jurídica etc.) ao desenvolvimento cognitivo da área. Já o segundo método procura atribuir certa autonomia aos estudiosos vis-à-vis a análise concreta da mudança histórica. É certo, portanto, que a primeira perspectiva privilegia as relações materiais da ordem internacional, ao passo que a segunda busca uma interpretação em termos normativos e cognitivos. Não se trata aqui, obviamente, de uma polaridade antagônica ou excludente, mas de premissas de análise para o melhor entendimento dos assuntos internacionais.
*é cientista político