Após um ‘atentado’ teatral digno de fazer inveja a William Shakespeare, Nicolau Maquiavel, Jane Austen e Fiódor Dostoiévski — tamanha a perfeição do modus operandi orquestrado pela ultradireita —, Donald Trump imita Bolsonaro, ao explorar o papel de vítima para ganhar força e reassumir a presidência dos EUA. Este artigo apresenta três previsões fundamentadas em evidências de que sua gestão reviverá práticas com retrocessos capazes de intensificar a instabilidade global.
Após Donald Trump ser reeleito democraticamente presidente dos EUA, não demorou muito para Jair Bolsonaro declarar em entrevista à Folha de São Paulo a seguinte frase “Tudo que acontece lá acontece aqui”, e creio que poder-se-ia dizer também o contrário “Tudo que acontece aqui acontece lá” em se tratando do uso de atentados para catapultar candidatos ao cargo de presidente.
Em nível global há um movimento da ultradireita que coordena suas ações de forma alinhada para ajudar pautas conservadoras defendidas por líderes como Trump, Bolsonaro, Viktor Orbán (Hungria), Andrés Obrador (México), Boris Johnson etc.
Analisando o que ocorreu no passado, é possível traçar três previsões sobre a segunda gestão Trump:
P1) O retorno das fake news como forma de governar
A disseminação de notícias distorcidas, fora da realidade ou falsas têm sido a marca de Trump, Bolsonaro e demais líderes da ultradireita. Para tanto, eles contam com uma milícia digital doutrinada (alguns dos seus membros mais ilustres como Steve Bannon, Allan dos Santos, Oswaldo Eustáquio já foram denunciados, condenados ou estão foragido da justiça), que sistematicamente controlam e manipulam a massa nas redes sociais.
Para se ter ideia do estrago que causaram, basta olhar o que aconteceu na última gestão de Trump e Bolsonaro. No caso do Mito, recomenda-se a leitura destes artigos publicados no JCAM < https://tinyurl.com/scmz25fn ; https://tinyurl.com/yvke3s2t e https://tinyurl.com/52yn5jf8>, valendo lembrar que segundo o site Aos Fatos, Jair Bolsonaro, em 1459 dias como presidente, deu 6885 declarações falsas ou distorcidas <https://tinyurl.com/4k6h87yw>, ou seja, espalhou quase 5 mentiras ou notícias distorcidas por dia.
Mas na arte de mentir, Trump é imbatível, pois segundo a equipe de checagem do prestigioso Jornal The Washington Post <https://tinyurl.com/2rz5yb86>, durante o seu 1º mandato, Trump espalhou 30573 fake news ou notícias distorcidas durante sua presidência, uma média de 21 afirmações errôneas por dia.
Assim, não será surpresa quando esse modus operandi voltar com mais força à casa Branca.
2) O retorno do negacionismo científico e corte de recursos contra as mudanças climáticas
É provável que Trump volte a atacar a imprensa, a ciência, desfazer ou reduzir programas energéticos ou ambientais voltados para enfrentar ou mitigar as mudanças climáticas. Para quem tem boa memória, se lembra de que ele já chamou o aquecimento global de “farsa” e em janeiro de 2021, encaminhou para o congresso Americano um pedido para cortar sem piedade cerca de US$ 27,4 bilhões (hoje, R$ 158 bi) de fundos de 73 programas federais alocados no Departamento de Energia, na Agência de Proteção Ambiental e outras agências < https://tinyurl.com/b3ta86xv>.
- Retirada dos Acordos Internacionais
Atualmente, os EUA estão comprometidos com o Acordo de Paris, especialmente após sua adesão em 2021, sob a administração de Joe Biden. O país se comprometeu a reduzir suas emissões de gases de efeito estufa em 50 a 52% até 2030, em comparação com os níveis de 2005. Além disso, o presidente Biden estabeleceu como meta alcançar emissões líquidas zero até 2050.
Voltando um pouco no tempo, em 2017 Trump anunciou que retiraria os EUA do acordo de Paris. Em 2020, ele retirou os EUA deste acordo, mas o país voltou a cumprir ao tratado com a chegada de Biden.
Assim, com base em seu histórico e defesa aberta aos combustíveis fosseis, poluentes, como carvão, cimento e petróleo, Trump irá abandonar compromissos assumidos com o Acordo de Paris, gerando onda de protestos em escala nacional e clamor dos líderes em escala mundial por enfraquecer os esforços globais contra as mudanças climáticas.
Além disso, há outro tema sensível referente ao Tratado sobre Armas Nucleares de Alcance Intermediário, pois no 1º ano de governo Trump, os EUA abandonaram este tratado, desencadeando o temor de uma nova corrida armamentista mundial. Quando Putin em 2022 colocou arsenal nuclear em alerta, o Presidente Biden tentou desescalar o conflito para evitar o confronto direto entre as superpotências. No entanto, pela primeira vez, Biden autorizou semana passada a Ucrânia a atacar tropas Russas e Norte Coreanas com mísseis de longo alcance dos EUA.
Em campanha, Trump prometeu acabar com a guerra entre Rússia e Ucrânia em um dia, mas vindo de quem é famoso por espalhar fake news sobre temas polêmicos, dificilmente cumprirá essa promessa.
Neste, pode-se vislumbrar três cenários:
C1) Isolamento dos EUA e diminuição do apoio a Ucrânia. É possível que ele busque uma postura mais isolacionista, semelhante à que adotou durante seu primeiro mandato. Trump já expressou publicamente que preferiria uma abordagem de “paz” com a Rússia e sugeriu que, em sua visão, a guerra na Ucrânia não é de interesse direto para os Estados Unidos. Neste caso, haveria redução ou fim do apoio militar e financeiro a Ucrânia, retirada das sansões econômicas contra a Rússia, aumento das tensões com aliados da OTAN, já que muitos países membros apoiam a Ucrânia.
C2) Manutenção do apoio a Ucrânia com foco em negociações. Neste cenário, há continuidade de envio de armamento e apoio financeiro, mas com início de um processo de mediação entre Rússia e Ucrânia, bem como pressão sobre os aliados Europeus.
C3) Aumento de tensão com a Rússia e apoio mais agressivo à Ucrânia. Neste cenário, haverá maior envolvimento dos EUA com esta guerra, com fornecimento de armas mais avançadas a Ucrânia.
O desejável seria acabar logo com essa guerra, mas com a reeleição de Trump, o cenário mais provável é um equilíbrio tenso entre diminuição do apoio direto à Ucrânia e fortalecimento da posição da Rússia, o que daria maior espaço para a China expandir sua influência global. Esse caminho tenderia a prolongar o conflito na Ucrânia e elevaria o risco de uma instabilidade geopolítica global crescente.
Por fim, a reeleição de Donald Trump intensificará a disseminação de fake news e o negacionismo científico, enfraquecendo a confiança nas instituições e dificultando o combate às mudanças climáticas. Sua política isolacionista poderá enfraquecer os compromissos globais, como o Acordo de Paris, e reduzir o apoio militar à Ucrânia, favorecendo a Rússia e a China. O cenário mais provável é um aumento da instabilidade geopolítica, prolongando o conflito na Ucrânia e ampliando os riscos para a paz e a segurança global.