18 de outubro de 2024

Súbitos outros da história 03

Ao final da crônica anterior (02) dissertava-se que a Revolução Francesa foi principalmente obra de sonhadores utópicos, embriagados pelas ideias das Luzes, e que, sem sua interferência, as fraquezas do Velho Regime poderiam ser corrigidas por uma reforma a partir do alto. Considerando-se todas as coisas, as condições foram provavelmente mais fundamentais para causar a Revolução do que as teorias. Ninguém, contudo, pode negar o poderoso efeito de pensadores e propagandistas como Montesquieu, Voltaire e Rousseau, que acreditavam poder ser edificada na França, pelo uso da razão, uma estrutura política e social mais perfeita.

Os franceses sob o Velho Regime sofriam menos de tirania cruel que das iniqüidades e ineficiência na administração governamental. Desde o tempo das guerras de Luís XIV, as despesas do governo cronicamente excederam suas receitas. A brecha poderia ser fechada por meio de uma completa reforme tributária e da redução das extravagâncias da corte, mas tal programa enfrentou decidida resistência das classes privilegiadas – isto é, o claro e a nobreza. Embora compreendessem apenas dois por cento da população, essas classes possuíam mais de dois terços da riqueza da França em terras.

Sua riqueza, ademais, estava virtualmente isenta de todos os tributos comuns e, sempre que a monarquia fazia uma semicorajosa tentativa de ordenhar essa fonte de novas receitas, clero e nobreza conseguiam bloquear o movimento. A monarquia, igualmente, não obteve sucesso maior na redução de suas despesas, pois nem Luis XV, nem Luiz XVI, tinham o desejo de introduzir na côrte um regime de austeridade; e, ainda que o tivessem, teriam provocado protestos da parte da aristocracia, pois a maior parte da alta nobreza vivia em Versalhes como pensionista do rei. Quase toda a carga dos tributos, portanto, recaía sobre o chamado “Terceiro Estado” – os camponeses donos de terras e a burguesia urbana. Ambas as classes eram relativamente prósperas, mas a tributação injusta, juntamente com outros agravos, provocaram seu amargo ressentimento.

Os camponeses o que queriam, além de alívio do pesos das taxas eram mais terras próprias. Tinham cerca de 30 por cento da terra cultivada da França, mas trabalhavam no restante como arrendadores ou meeiros. Além disso, queriam ver-se livres dos remanescentes de exigências feudais, tais como a obrigação de trabalhar nas estradas, de permitir que os aristocratas caçassem em suas terras e de pagar várias taxas anacrônicas.

Sucede, a burguesia ou a classe média residente nas cidades, era maior e mais amadurecida na França do que na maioria dos outros países europeus da época. Resta, muitos de seus membros haviam-se voltado por completo para as ideias de escritores das Luzes, como Voltaire e Rousseau. Dava-se que a burguesia ressentia o fato de seu poder econômico não ser acompanhado por grau semelhante de poder político e prestígio social. Seus membros queriam mais controle sobre a tributação e despesas do governo; queriam, também, o mesmo direito dos nobres ao exercício de cargos públicos e igual tratamento perante a lei. Sem dúvida, o sucesso da Revolução Americana, que já dera voz aos princípios das Luzes, emitia grande estímulo a suas esperanças. Significando de fato 98 por cento da população, o Terceiro Estado estava longe de ser homogêneo. É que além da distinção entre camponeses e citadinos, havia ampla divergência dentro da burguesia, pois esta abrigava tanto comerciantes e profissionais abastados quanto humildes lojistas, artesãos e advogados sem causas. A população trabalhadora das cidades formava ainda outro grupo social, ou “Quarto Estado”. (Continua). 

Bosco Jackmonth

* É advogado de empresas (OAB/AM 436). Contato: [email protected]

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