Em que pese criação da nova Assembleia apontada ao final da crônica anterior (7), sucede, duas prerrogativas de considerável importância prática eram deixadas ao rei: mantinha o direito de escolher seus ministros e conservava um poder de veto que lhe permitia paralisar uma legislação, se o quisesse, por período de vários anos. Nesse ínterim, a Assembleia tomara medidas para resolver o problema da bancarrota governamental, que fora motivo da convocação dos Estados Gerais.
Nos fins de 17, voltou a apropriação de todas as propriedades da Igreja em terrenos, colocando-as à venda, para usar os recursos a fim de pagar as dívidas do governo. Durante a venda, essas propriedades foram utilizadas como garantia de uma nova emissão de papel moeda, chamada assignats.
A propósito, embora grande parte das terras da Igreja fosse comprada por especuladores burgueses, considerável porção passou às mãos dos camponeses. Assim, esses não só conseguiram liberdade das obrigações feudais, mas também a posse de muitas propriedades novas. Tal desenvolvimento fortaleceu grandemente a classe já existente de pequenos proprietários independentes, tornando essa classe um elemento sólido, estável e conservador da estrutura social francesa, com tal apoio ao sucesso da Revolução que esta resistiria a qualquer retorno ao Antigo Regime. Por essa razão, o estatuto territorial demonstrou-se uma das mais permanentes e mais significativas realizações da Revolução Francesa.
Aspecto menos feliz foi o efeito dessa medida sobre a Igreja. Privados de suas antigas fontes de renda os membros da Igreja foram colocados na folha pública de pagamentos e, como outros funcionários públicos, passaram a ser eleitos pelos votantes, que não precisavam ser católicos para tomar parte na eleição. Depois de muita hesitação, o Papa condenou esse sistema e incitou o clero a opor-se a ele. Muitos clérigos sinceros, dessa época em diante, fizeram o máximo para sabotar os sucessivos governos revolucionários. A primeira e mais importante realização dos girondinos foi mergulhar a França num conflito estrangeiro, que iria durar incalculáveis vinte anos.
Estavam os líderes girondinos convencidos de que o rei e a rainha conspiravam contra a Revolução e procuravam promover intervenção estrangeira nos negócios franceses. Para debelar esse suposto plano, acharam por bem precipitar uma guerra, pois uma vitória em batalha fortaleceria sua importância política e consolidaria, assim, as conquistas da Revolução. Buscou-se, portanto, um pretexto para que a França declarasse guerra à Áustria e à Prússia, na primavera de 1792.
Dentro de seis meses, essa guerra levaria à queda da monarquia. Desde o início era evidente que a família real esperava uma vitória dos prussianos e austríacos. Além disso o Duque de Brunswisck comandante inimigo, deixou claro que se considerava protetor do rei francês contra seu povo rebelde. Uma vez que o exército francês tendo-se mostrado incapaz de defender suas fronteiras, para nem falar em levar a guerra ao inimigo, parecia inevitável que prussianos e austríacos invadiriam a França e recolocariam Luiz XVI em sua antiga posição.
Numa frenética explosão de alarme, a população parisiense ergueu-se em nova insurreição, a 10 de agosto de 1792. Para escapar à turba, a família real refugiou-se em meio à Assembléia Legislativa, à qual o rei apelou pedindo proteção. A Assembléia não teve outro recurso: foi-lhe necessário reconhecer o desmoronamento da monarquia constitucional, suspender o rei, colocá-lo sob custódia protetora e decretar a eleição de uma Convenção Nacional, que decidiria do futuro da França. Assim nasceu a Primeira República Francesa, a 10 de agosto de 1792. Escolhida pelo mesmo amplo sufrágio usado em 1789 a Convenção refletiu o triunfo das ideias republicanas. Nem um só monarquista foi eleito: o grupo mais conservador da nova Câmara era a facção girondina. Parecia ser simples a tarefa da Convenção, ou seja formular uma constituição republicana e cuidar de uma nova legislatura que esta criasse. (Continua).
Bosco Jackmonth *