Ruy Marcelo
O título deste artigo não é exagero nem achismo. Quisera fosse pessimismo irracional de um apaixonado pela natureza amazônica; uma hipérbole emotiva para impressionar incautos. Mas é pura constatação: o rio Tarumã-açu agoniza e precisa urgentemente de socorro. Surgem os primeiros sinais da falência ecológica generalizada. O requisitado igarapé tornou-se impróprio ao banho em mais de um ponto de seu canal principal.
A evidência é de fonte insuspeita. Revelou-nos o Programa de Monitoramento da Qualidade das Águas da Universidade do Estado do Amazonas (em parceria com a FAPEAM, SEMA, IPAAM, TCE e outros), conforme palestra do professor coordenador Sérgio Duvoisin durante evento comemorativo do dia mundial da água no dia 22 de março último no auditório da EST/UEA.
Nos pontos críticos monitorados pelo laboratório da EST/UEA, o índice de degradação equipara-se aos das bacias de São Raimundo e de Educandos, as mais poluídas de Manaus.
Pasmem. Tais pontos ficam próximos de onde muitos costumam se banhar, tanto em flutuantes, praias assim como plataformas de barcos. Áreas muito frequentadas tais como o Laguinho (foz do Igarapé Mariano, que tem a montante a Vivenda do pontal e o aterro controlado da AM-010), a enseada da foz do Igarapé da Bolívia (onde se situa um hotel, a marina “águas claras” e vários flutuantes) e à área próxima à Marina do David (próximo à foz do Gigante).
Não é inédito. A má qualidade das águas já havia sido constatada por amostra examinada pelo programa de mestrado profissional em rede nacional em gestão e regulação de recursos hídricos (Profáguas – UEA – Relatório de 2020).
Mas a poluição é de fácil percepção ao observador atento. Próximo ao asfalto, as áreas das Cachoeiras e da Ponte da Bolívia há anos patenteiam a degradação das águas com o avanço desordenado da cidade a oeste.
Ocorre que essa má-qualidade agora se mostra no Tarumã central. É indicativa a cor esverdeada e turva das águas, de odor característico, com proliferação de plantas flutuantes (macrófitas), que substitui a água outrora límpida, insípida, ácida, cor de guaraná, em parelha com o grande Rio Negro. Quando chove e na estação de vazante, abaixo da cota 17 m, o mais distraído frequentador atina que o rio está sem fôlego, já não dando conta de diluir e dissipar o gigantesco volume de sedimentos de águas servidas e esgotos brutos que vão desaguar pelas enxurradas e pela própria rede de drenagem urbana em todos os quadrantes dos tributários da margem esquerda.
Resultado disso é o perigo concreto e iminente à saúde de todos os usuários, não apenas os banhistas, mas principalmente os moradores ribeirinhos. Expõem-se a doenças de veiculação hídrica, tais como hepatite, diarreia, verminoses, cólera, leptospirose etc..
Ademais, com a poluição perdemos todos os imensos benefícios ecossistêmicos à sadia qualidade de vida que o rio costumava oferecer, por exemplo, na regulação do clima, na oferta de fauna e flora, na beleza cênica, no ar puro, na renovação de processos vitais, sociais, econômicos e espirituais.
Nesse patamar de insensibilidade e de infeção destrutiva, somente a terapia intensiva para salvar o rio. Adrenalina de comando e controle. Choque de gestão. Não há tempo para esperar que os frutos da educação ambiental germinem. O Estado não pode ser paternalista e leniente com os poluidores, deixando de reprimir quem insista em funcionar na ilegalidade e na insustentabilidade causando impactos ambientais de difícil reversão se considerados em sua soma de efeitos, sinérgicos e cumulativos (analogicamente, um pingo é muito quando o copo está cheio). É preciso intervir radicalmente agora ou será tarde. Contra o desmatamento ilegal nas margens. Contra as queimadas. A extração clandestina de areia. Contra a falta de destinação adequada de resíduos. Contra o lançamento de esgotos não tratados. Contra a abertura indiscriminada de ramais. Contra o tráfico e consumo de drogas. O vazamento de óleo das marinas, estaleiros, náuticas e postos de combustível. Contra os flutuantes sem ETE. Contra a falta de boa ordem nos usos da bacia. Enfim, contra toda a estupidez humana, pois, o Tarumã pede socorro.
Ruy Marcelo *Mestre em Direito Ambiental, professor e Procurador de Contas