A filantropia voltada ao enfrentamento das mudanças climáticas e à conservação ambiental está passando por uma transformação profunda. Grandes fundações globais têm redirecionado grande parte de seus recursos para financiar tecnologias ambientais emergentes, em detrimento dos projetos de conservação e da valorização dos direitos de povos e comunidades locais.
Essa mudança é impulsionada pelo desejo de acelerar respostas à crise climática. Algumas tecnologias oferecem eficiência, escala e impactos no curto prazo: sistemas de captura de carbono, sensores remotos, inteligência artificial para monitoramento ecológico e blockchain para rastreamento de cadeias sustentáveis são cada vez mais valorizados.
No entanto, essas soluções também envolvem riscos muitas vezes subestimados, especialmente no que diz respeito à coleta, uso e governança de dados sobre territórios e seus recursos naturais.
Historicamente, a filantropia climática priorizou a criação de áreas protegidas, o fortalecimento de comunidades locais e o estabelecimento (ou reforço) da governança territorial. Essas abordagens essenciais demandam tempo para se efetivarem e apresentam avaliação mais complexa.
Com isso, a filantropia climática tem se aproximado da lógica do capital de risco: busca inovação disruptiva, soluções replicáveis e dados mensuráveis em escala global.
Porém, tecnologias como satélites, plataformas de aprendizado de máquina e sensores ambientais dependem da coleta intensiva de dados territoriais, ecológicos e culturais. Em um contexto de ausência de regulação — ou de regras enviesadas —, o uso dessas informações pode configurar uma nova forma de neocolonialismo, indo de encontro aos interesses legítimos das comunidades locais.
Não se questiona a validade de coletar, organizar e analisar dados de campo para compreender e mitigar os impactos das mudanças climáticas. No entanto, é preciso fazê-lo com protocolos transparentes e eficazes, que garantam os direitos e respeitem as escolhas das populações locais.
O mesmo dado de satélite utilizado para monitorar o avanço do desmatamento ilegal e apoiar o combate a crimes ambientais pode também ser aplicado para identificar reservas minerais ou de água visadas para exploração não sustentável e sem licença social.
É fundamental compreender que ferramentas e tecnologias não são neutras. Elas carregam os valores, interesses e estruturas de poder de quem as desenvolve e as opera. É preciso atenção redobrada na escolha de empresas fornecedoras de soluções tecnológicas, para que não se reforcem desigualdades históricas nem se ignorem saberes locais.
Nesse contexto, o conceito de soberania de dados tem ganhado força. Organizações da sociedade civil e lideranças comunitárias defendem que povos e comunidades tradicionais devem decidir quais dados serão coletados, como serão utilizados e por quem. Afinal, dados ambientais não são apenas números: são representações do território, da vida e do futuro dessas populações.
Para que a filantropia climática siga sendo uma força essencial para promover as mudanças necessárias, ela precisa incorporar compromissos claros com a ética e a justiça socioambiental. Isso inclui garantir o consentimento livre, prévio e informado; promover a formação local para o desenvolvimento dos capitais humano e social; assegurar a transparência algorítmica para que comunidades tenham acesso aos dados processados; priorizar alianças com organizações comunitárias de base territorial; e respeitar marcos jurídicos que reconheçam os dados territoriais como patrimônio coletivo, assegurando a repartição justa dos benefícios decorrentes de seu uso.
É preciso combinar investimentos em tecnologia ambiental com ações tradicionais de conservação. A inovação, por si só, não basta. As soluções tecnológicas não devem reproduzir lógicas históricas de exclusão e exploração.
Cabe à filantropia liderar esse equilíbrio: investir com responsabilidade, assegurando que os dados ambientais sirvam à proteção da vida — e não ao lucro obtido às custas de povos, territórios e culturas.
O futuro do clima depende tanto de sensores e algoritmos quanto de escuta qualificada, justiça social e respeito aos guardiões das florestas e das águas.
