A capacidade humana de criar é fantástica. Todas as maravilhas tecnológicas que estruturam e fazer funcionar o nosso mundo contemporâneo são frutos dessa potência extraordinária. Conseguimos perscrutar ambientes do infinitamente pequeno e enviar artefatos humanos para além do sistema solar devidos justamente a essa impressionante capacidade criadora. Esses feitos são tão impressionantes que, aos olhos da maioria da população mundial, beiram a incredulidade. É bem provável que para os povos que ainda pouco contato mantêm com os habitantes urbanos isso possa até ser considerado algo mágico ou miraculoso. Aos povos mais “primitivos”, podem ser vistos como atos divinos. Esses feitos têm gerado uma imagem um tanto quanto distorcida dos cientistas e como eles efetivamente produzem as tecnologias. A impressão que se tem dessas imagens é de seres extremamente hábeis, conhecedores dos segredos mais profundos e escondidos da realidade, que conseguem, como em um estalar de dedos, produzir suas magias tecnológicas. Contudo, a imagem real é muito distante da fantasia. Os cientistas devem ser os seres que mais cometem erros e falhas nos seus afazeres. Naturalmente que erras e falham muito porque agem e voltam a agir inúmeras vezes, como se fosse uma obsessão pelo acerto final. Isso quer dizer que, antes de um artefato tecnológico ser entregue, é submetido a uma extensa lista de testes. E, como fracassam, precisam de ajustes para, logo em seguida, serem retestados.
O processo de geração de tecnologias, sob o ponto de vista do método científico-tecnológico, tem um esquema lógico global: a aquisição de conhecimentos de base científica para serem manipulados e transformados em tecnologia. Duas macroetapas, portanto, o estruturam. A etapa científica é composta pela formulação do problema, a coleta de dados, análise e organização dos dados e a geração das respostas buscadas, enquanto a etapa tecnológica começa com a prototipagem, continua com os testes e retestes, prossegue com os ajustes e reajustes e termina com a entrega da tecnologia aos seus públicos-alvos. A etapa dos testes e retestes compreende à sexta etapa do processo global e à primeira dos esforços de geração da tecnologia. Aqui, um protótipo já existe e está pronto para ser submetido a diversos testes, dentre os quais podem ser destacados os conceituais, processuais, estruturais, funcionais, relacionais e ambientais. Além desses testes estruturantes, diversos outros precisam ser executados, desde os relativos à composição química e física das peças do protótipo, quando for o caso, até aos fluxos logísticos de informação, produção e financeiro.
É durante a etapa de prototipagem que quase todos os testes precisam ser planejados e executados, de maneira que não existe tecnologia consistente que não tenha passado por diversas instâncias de validação. Tome-se o caso de uma singela cartilha digital, utilizada para proporcionar o primeiro contato com determinado conteúdo pedagógico. Há quem imagine que basta passar da fase da redação direto para a editoração e distribuição para o seu público-alvo. A linguagem em diversos aspectos precisa ser testada, para que não esteja demasiada além ou aquém da capacidade de entendimento dos seus leitores. Se houver, dentre eles, alguns daltônicos, as cores das letras e figuras precisam ser testadas, assim como a adequação da própria figura. Por exemplo, para quem não tem conhecimentos matemáticos, fórmulas e equações (que também são diagramas) são inadequadas. Para quem não tem familiaridade com dispositivos eletrônicos, há que se testar outras formas de distribuição, como através de vídeos. É preciso elaborar um plano de testes para cada aspecto que influencie na entrega dos benefícios que a tecnologia pretende fazer.
Os cientistas não são indivíduos perfeitos. Eles erram. E, diga-se de passagem, erram muito. Sem exagero, muitas vezes chegam a errar demais. Mas diante dessa multiplicidade de erros, o grande cientista, aquele mais virtuoso, é sempre persistente. Essa persistência, aos olhos de uma pessoa que não tenha intimidade com os desafios da criação tecnológica, pode ser vista como teimosia ou até mesmo birra. A cada vez que uma categoria analítica é reprovada, modificações precisam ser feitas no protótipo. Se a reprovação foi decorrente de falha na testagem, nova estratégia precisa ser reformulada para o teste ser refeito; se a reprovação foi originária em falhas no protótipo, o próprio artefato precisa ser alterado, modificado antes de ser novamente submetido a reteste. O teste, portanto, é o esforço de aferir se o protótipo a estar de acordo com o que foi planejado, com o que dele é esperado; os retestes são todas as repetições da testagem, depois de feitos os ajustes que as reprovações exigem, até que o protótipo seja considerado aprovado. É nesse instante que se tem a garantia, comprovada pelos resultados dos testes, de que o artefato deixou de ser um protótipo (ou produto em elaboração) e galgou a posição de tecnologia (ou produto final).
A quantos testes um protótipo deve ser submetido para se transformar em tecnologia? De forma geral, a quantidade e os tipos de testes e retestes dependem da natureza da tecnologia, os benefícios que pretende entregar e o que for acertado entre a equipe de geração da tecnologia e os seus demandantes (financiadores, usuários e clientes), além naturalmente, dos testes exigidos por lei, como é o caso dos produtos farmacêuticos e imunizantes. A grande regra que orienta a definição dos testes é a consonância da entrega dos benefícios pretendidos pelos demandantes com a segurança de funcionamento da tecnologia.
O mundo contemporâneo é um universo tecnológico. Muitas de nossas necessidades seculares e milenares têm sido supridas de forma quase mágica. No entanto, ainda falhamos muito. Pontes e prédios desmoronam, aeronaves caem, remédios falham, materiais pedagógicos são inócuos, políticas públicas se fazem inadequadas e barragens se rompem como demonstrações explícitas de que os testes e retestes não foram feitos com adequação porque uma de suas finalidades é saber como agir quando as falhas acontecerem. Nosso universo não é tão seguro como a maioria das pessoas podem imaginar, mas é o melhor que já construímos. As falhas apenas nos acendem a vontade do aperfeiçoamento.
Testes e retestes de protótipos
Em: 9 de janeiro de 2025
Daniel Nascimento
É Professor e Pesquisador do Instituto Federal do Amazonas (IFAM)
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