Mais um aniversário de nossa capital, a maior metrópole da Região Norte, com mais de 2.200.000 habitantes, segundo o IBGE. Terra de contrastes, história de lutas, com sucessos, mas também fracassos.
Do ponto de vista econômico Manaus é pujante, graças ao Polo Industrial Incentivado, ainda chamado equivocadamente de Zona Franca. Trata-se de uma cidade onde está situado o parque fabril responsável por quase 10% da produção industrial do país. Por isso é a cidade com o maior PIB per capita do Norte-Nordeste, sendo também um grande polo comercial e de serviços.
Já no campo social Manaus está longe de ser desenvolvida. O fato de ter registrado um grande crescimento demográfico desde a década de 1980, por conta da vinda de centenas de milhares de migrantes nordestinos e do próprio interior do estado, certamente contribuiu para a balbúrdia que se tornou esta cidade originalmente tão bela na sua natureza e com um centro histórico de realce. Mas não se negue que a falta de um bom planejamento urbano continuado, que pudesse ordenar melhor esse crescimento, contribuiu também para o cenário desolador de várias áreas de Manaus, com indicadores péssimos de saneamento básico, déficit imenso de moradia popular, igarapés poluídos e muitas áreas verdes degradadas, destruídas.
No meio desse cenário desolador, muitos manauaras fazem parte da estatística de pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza, compondo parte expressiva dos mais de 500.000 amazonenses em estado de miséria, que tornam o Amazonas o segundo estado com maior índice de desigualdade e exclusão social do Brasil, logo após o Maranhão. Apesar da indústria e do comércio, cerca de 200.000 desempregados sobrevivem de bolsas, de esmolas, de trabalhos informais (sem nenhuma proteção previdenciária) ou de atividades ilícitas. Não é atoa que nossa capital se tornou a mais violenta do país, com o maior número de assassinatos proporcionais à população.
Podemos aqui citar outras mazelas, como transporte público deficiente, saúde pública deficitária, falta de boas áreas verdes para lazer e práticas esportivas– principalmente na Zona Leste e Zona Norte. Aliás, grande parte de nossas crianças e jovens se ressente da ausência de boas políticas públicas na maioria dos bairros ditos periféricos. Faltam creches, com Manaus tendo apenas 10% de atendimento da demanda, o mais baixo índice dentre todas as capitais do país. Faltam equipamentos esportivos; faltam oportunidades de moradia para os mais carentes, que muitas vezes invadem e destroem áreas verdes por conta da ausência de uma verdadeira política de habitação de interesse social.
Abordo neste texto feridas e cicatrizes do maior centro urbano da Amazônia. Como se diz, estou apontando essa degradante situação socioambiental, porque ela contradiz com o ufanismo de quem se recusa a olhar o que acontece fora dos condomínios fechados, das escolas privadas, dos shopping centers, das chamadas áreas “nobres”, dos poucos equipamentos públicos relativamente protegidos da violência e outras formas de degradação. Para os que residem, trabalham e se divertem nos “oásis” urbanos, o sofrimento e a falta de boas oportunidades para a maioria da população parece soar como algo distante, uma espécie de outra realidade, como se fosse noutro estado ou noutro país.
Além de tudo isso, a fome voltou a permear a vida de muitas pessoas, como se Manaus estivesse retroagindo no tempo, voltando ao período do debacle da borracha, quando a decadência econômica gerou, numa escala demográfica bem menor, mazelas algo similares às atuais. No entanto, hoje não estamos – ainda – num ciclo de estagnação econômica semelhante à da segunda década do século passado. Ao reverso, como escrevi acima, a economia manauara parece ir de vento em popa, mas num contexto social excludente e desumano.
Governos “ricos”, que arrecadam muito, mas são pobres nas tentativas de solução. Parte expressiva dos políticos alimentando o ciclo vicioso do poder, com compra de consciências por favores imediatos e sem compromisso com o futuro. O poder pelo poder. Ou, pior ainda, o poder pelo dinheiro ilícito para ter mais poder. E grande parte da nossa elite econômica indiferente, alheia, acomodada à um modelo que começa a cambalear, ainda mais pelas agressões do Governo Federal à nossa indústria incentivada. E ainda há empresários que endossam, de maneira consciente ou inconsciente, os ataques federais contra nossa única matriz econômica exitosa. Defendem o indefensável.
Mesmo assim, pode-se dizer que nossa Manaus, mesmo cheia de fraturas e ferimentos, ainda é uma cidade que guarda belezas impressionantes da natureza, como o Encontro das Águas e as áreas florestais remanescentes e possui um patrimônio arquitetônico de expressão. E que possui gente de grande valor que, apesar dos pesares, coloca seus talentos à serviço da vida, da justiça e da fraternidade.
Desejo que no próximo aniversário de Manaus tenhamos mais a comemorar do que a lamentar. Parabéns aos manauaras!