Temos distinguido dois tipos de profissionais de pesquisa. O primeiro e mais comum é o chamado pesquisador, cuja diferença principal para o cientista, que é o segundo tipo, é que o pesquisador não utiliza o método científico como guia. Diferentemente, o cientista não apenas segue com rigor as etapas do método como se certifica constantemente, passo a passo, que os procedimentos e técnicas que utiliza sejam válidos. Outra diferença entre esses dois profissionais está na forma como tornam públicos os resultados de suas pesquisas. Os textos dos pesquisadores quase sempre não têm um capítulo de metodologia, diferente dos cientistas, em que esse item é obrigatório – a não ser, evidentemente, que deliberadamente queiram publicar um ensaio teórico, o que também é comum. O que justifica essa extrema preocupação dos cientistas é a responsabilidade de assegurar a todos a validade de seus procedimentos e uso de técnicas específicas. Essa segurança é alcançada porque dois aspectos da prática da pesquisa científica rondam a mente dos cientistas: validade e fidedignidade.
É chamada validade à garantia de que os resultados ou efeitos que uma coisa promete serão alcançados ou entregue. É meio esquisito, mas é isso. Uma coisa é válida quando aquilo que se espera dela é obtida ou garantida. Vejamos alguns exemplos. Imagine que você esteja se sentindo febril. Você toma um termômetro, coloca na axila e depois de um determinado período de tempo olha o marcador eletrônico mostrando “15 Kg”. O que você diria? Exatamente! Esse termômetro está maluco. Afinal, onde já se viu 15 quilos de febre ou de calor corporal? Mas, ainda assim, você tenta mais uma vez. Desliga o aparelho e o liga novamente. Repete o procedimento: coloca na outra axila, espera o tempo e vê o resultado. Agora está marcando 80 litros. O que diz? Você não tem dúvida: aquele aparelho está maluco. Os cientistas iriam dizer simplesmente que aquele aparelho não é válido, não tem validade. Afinal, um termômetro serve para medir temperatura, calor. Quilogramas e litros não são unidades de medida de temperatura.
Mas você precisa medir a sua temperatura. Daí você decide ir à farmácia e compra um novo termômetro. Imediatamente, ainda na frente do farmacêutico, desembala o aparelho e mede novamente a sua temperatura. E o resultado aparece no letreiro assim: “22 graus”. Você fica surpreso. Com aquela temperatura você estaria morto. Mas uma coisa você não poderia jamais negar: o termômetro mediu a sua temperatura porque estava escrito graus, não quilos ou litros, como no outro aparelho. Novamente você repete a mensuração da sua temperatura com o mesmo aparelho. E a nova medição não deixa dúvidas: “82 graus”. E outra vez a surpresa: com essa temperatura você também estaria morto, teria derretido. Mas novamente você não poderia duvidar de que o aparelho estava medindo temperatura. Só parecia estar medindo errado. Os cientistas diriam simplesmente que o instrumento de coleta de dados sobre a temperatura não é fidedigno. Fidedignidade é a capacidade de um instrumento medir sempre a mesma coisa da mesma forma.
Quando os cientistas falam de validade e fidedignidade falam da preocupação em criar procedimentos e instrumentos de coleta de dados que realmente meçam o que tem que medir e que essas medidas sejam feitas sempre do mesmo jeito. Por exemplo, termômetros são instrumentos de coleta de dados de temperatura e funcionam sempre diretamente proporcional ao estado da temperatura: quanto mais calor, maior o número gerado e vice-versa. De igual maneira, se crio um instrumento de coleta de dados de motivação para o aprendizado, esse instrumento tem que garantir que vai medir a motivação para o aprendizado e não motivação para ensinar ou motivação para jogar futebol. Se a intenção for avaliar os resultados de um determinado processo, o instrumento tem que garantir validade e fidedignidade para medir os resultados daquele processo e não de outro. Isso parece bobagem, mas tira o sono dos grandes cientistas porque a criação de um instrumento de coleta de dados válido e fidedigno já é, por si só, um grande empreendimento científico, principalmente porque denota avanço no método. Tanto é assim que há muitas publicações científicas exclusivas para apresentar esses instrumentos validados.
Para que se tenha uma tímida ideia do quão isso é importante para os cientistas, há validade indutiva, interna, externa, de constructo, de critério, concorrente, preditiva, de face e muitos, muitos outros tipos. É possível listar dezenas de tipos diferentes de se garantir a validade e a fidedignidade de um instrumento de coleta de dados. E isso vale tanto para instrumentos, por exemplo, que coletam os quanta de luzes das estrelas quanto para a análise de dados bibliométricos; tanto para a criação de um roteiro de entrevistas, quanto para acompanhar as sutilezas evolutivas de uma espécie; tanto para a elaboração de um questionário com questões fechadas, quanto para a observação participante. Se queremos fazer ciência de verdade, temos que ser capazes de criar instrumentos capazes de medir a realidade de forma confiável. E confiabilidade é função de validade e fidedignidade. Quanto os cientistas dizem que os resultados de um estudo não são confiáveis eles estão apenas dizendo que há problemas de validade, de fidedignidade ou de ambos.
Mas como se faz um instrumento de coleta de dados confiável? Não é fácil, mas é manipulando com adequação as dimensões analíticas e suas respectivas categorias analíticas, como já explicado, a partir da compreensão do comportamento dos tipos de variáveis (nominal, ordinal, intervalar e racional). Ainda que se utilize análise do discurso ou análise semântica com métodos absolutamente qualitativos, ainda assim as premissas de validade e fidedignidade têm que estar presentes. Se não estiverem, não se está fazendo ciência, mas apenas pesquisa. É exatamente isso o que fazem os profissionais que são apenas pesquisadores.