7 de setembro de 2024

“Vergonha alheia”

Até quando iremos andar pelas ruas e esquinas de Manaus e fingir que não vemos crianças violadas todos os dias? De Norte a Sul, os sinais estão repletos de adultos com crianças no colo, de dia e de noite, inclusive em altas horas. Crianças no colo de estranhos, na maioria das vezes, passando por todo tipo de provação e abuso. 

Assistimos a esses fatos diáriamente e, como diz o ditado, “quem cala consente”. E, como sempre, a pergunta que não quer calar. Os políticos, que administram o dinheiro público, governadores e prefeitos, ou os “fazedores de leis”, deputados estaduais, vereadores, senadores e deputados federais, quando estão em Manaus, devem se locomover-se por “teletransporte”, ou, ainda, estão cegos ou somente enxergam o que lhes convém? Não importa se as crianças vieram da Venezuela ou de Marte. Sejamos dignos!

O Estatuto da Criança e do Adolescente, neste mês, completou 30 anos. Temos motivo para fazer festa? Absolutamente, não! Como estava o Brasil no ano de 1990? O País havia escolhido o seu primeiro Presidente civil pelo voto popular e a Carta Magna havia sido proclamada num Brasil que acreditava estar no caminho certo.

Naquele momento, uma em cada cinco crianças e adolescentes estava fora da escola, e uma em cada dez, entre 10 e 18 anos, não estava alfabetizada. A cada mil bebês nascidos vivos naquele ano, quase cinquenta não chegavam a completar um ano, e quase oito milhões de crianças e adolescentes de até 15 anos eram submetidas ao trabalho infantil, segundo manifestação do Governo Federal para acirrar o debate sobre o assunto. 

Apenas três anos depois da edição do ECA, uma chacina na Candelária, a Igreja Matriz da cidade do Rio de Janeiro, projetou na comunidade internacional a imagem de um país infanticida. Oito pessoas entre as seis crianças foram assassinadas brutalmente. O Estatuto e a Chacina são dois episódios que merecem a nossa reflexão, porque são faces da mesma moeda negligência e pirotecnia publicitária na rotina do faz de conta.

Sem dúvida, o conceito jurídico do Estatuto é avançado e recheado de boas intenções e não deixaria de ser motivo de comemoração se o Brasil não fosse um país fecundo em produção de leis e relapse no comprimento delas . A chacina da Candelária continua a acontecer nas estatísticas da vida infantil, já que a violência continua a matar crianças. 

Mas, enquanto no Brasil, um político ganhar R$ 30.000,00 por mês e um professor ganhar R$ 2.000,00, não haverá luz no fim do túnel, somente o buraco para onde são jogadas nossas crianças diariamente!

 Enquanto o empobrecimento da população continuar submetido à pirotecnia eleitoreira, da propaganda enganosa de mudanças que não vêm acontecendo, continuaremos a assistir a noticiários de crianças abusadas, assassinadas, fora da escola, abandonadas. Tudo com o nosso aval e com  nossa condescendência!

É provável que uma parcela discreta de crianças e adolescentes tenha sido inserida no âmbito do Ensino Fundamental e Médio. Como é, porém, a qualidade desse ensino? Por que a escola pública, especialmente, se transformou num cenário de agressões, degradações de toda ordem, incluindo o tráfico e o consumo aberto de drogas? Por que o suicídio entre crianças e adolescentes está num patamar, mantido a sete chaves, tão  elevado?

Devemos  dar uma resposta a essa tragédia humana que assola o Brasil. Temos de buscar saídas. Não podemos continuar priorizando a intriga, a difamação, a destruição de pessoas, de valores e da comunhão nacional. A pandemia vai passar, mas, nos escombros de suas cinzas, temos de plantar a esperança de um país voltado para si mesmo, para o presente e o futuro dos cidadãos, que somente será possível com a salvação das crianças. Caso contrário continuaremos  a  entrever um único e mesmo procedimento.    

Gina Moraes

é advogada, presidente da Comissão da Zona Franca de Manaus da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), seccional Amazonas

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