24 de novembro de 2024

Vozes da Educação de Manaus: Professor Mendonça

Hoje, na última entrevista do projeto “Vozes da Educação de Manaus” de 2024, conheça a trajetória de vida do professor Mendonça na educação de Manaus. “Chamo-me Marúcio José Bezerra Mendonça ou, como eu gosto de ser chamado: Mendonça. Sou um Manauara de coração (apaixonado por Manaus), mas, nascido às margens do Rio Tapajós, numa cidade do Pará por nome de Itaituba (terra do ouro e também de pistolagem). Sou pai de três lindos e inteligentes jovens, uma menina e dois meninos (meu maior tesouro). Sou o segundo de quatro filhos da d. Eliene e do seu Mário Mendonça, dois trabalhadores que, mesmo com pouco estudo, sempre priorizaram que os filhos estudassem, pois, acreditaram nos viam nos estudos uma possibilidade de superação da pobreza. A eles, juntamente a minha querida tia Madalena, devo tudo que sou. Graças a eles me tornei professor de História e, atualmente formador para o Ensino de História.

Eu diria que minha relação com a educação é um pouco engraçada. Inicialmente eu tentei fugir do magistério, pois, durante o meu ensino médio (antigo segundo grau) tive a oportunidade de cursar o magistério, mas, à época, eu preferi fazer o técnico em contabilidade. Via-me muito mais para o campo contábil do que para o magistério. Mas o magistério me chamava, principalmente por atuar como catequista nas bases da igreja católica e minha caminhada os movimentos sociais e a educação popular, me propiciaram a experiência de dialogar com as pessoas tentando passar um certo conhecimento. Penso que começa aí a meu relacionamento com a questão de ensinar. Sendo um morador da periferia de Manaus, na caminhada nos movimentos sociais, me vi imbuído a ponderar por uma formação que viesse a contribuir com a minha comunidade. Apesar da minha mãe me cobrar para cursar direito, optei pela licenciatura em História. Iniciei minha caminhada em sala de aula ainda nos primeiros períodos da graduação. Inicialmente substituindo colegas que precisavam se afastar para estudos. Brinco que nessa época eu era “professor de aluguel”. Depois, como professor de cursinhos pré-vestibular, escolas particulares e programas de formação. Esse período no qual eu trabalhava enquanto estudava era uma loucura, muita correria, principalmente porque eu também atuava nos movimentos sociais, em particular no movimento estudantil. Mas, foi um período de muita experiência, até poder entrar no serviço público. Atuei por um breve período como professor na rede estadual de Roraima, mas, resolvi voltar para Manaus, onde atualmente estou como formador para o ensino de História na Divisão de Desenvolvimento Profissional do Magistério.

Sobre as mudanças na Educação, um ponto que eu observo é a questão da desvalorização social do professor/professor. Sabemos que historicamente há uma grande desvalorização no campo econômico. Contudo, do período em que me formei para os dias atuais, a desvalorização social do professor foi se aprofundando. Possivelmente esse fato tenha relação não apenas com a questão econômica, mas, penso também que tenha uma relação com a dinâmica da pulverização do conhecimento, principalmente diante do advento das informáticas, das mídias sociais e das novas tecnologias de comunicação. Hoje, a escola, o professor, já não é a principal referência do saber. Não estou dizendo que sou contrário a essa nova dinâmica de conhecimento e a tecnologia, e sim, como essas ferramentas tem sido utilizada, pois, em muitos casos, o conhecimento acadêmico do professor/a é até questionado. Diante deste quadro os educadores tem que estar se reinventando, repensando práticas e metodologias, principalmente porque sobre nós tem recaído uma cobrança excessiva por resultados e, a responsabilização pelo fracasso escolar. Isso inclusive tem contribuído para que as novas gerações não vejam no magistério uma possibilidade de careira profissional. O que é muito grave.

Bem, com mais de 20 anos na educação, já vivenciei muitas situações indeléveis, positivas e negativas. Mas, tem uma situação em particular que me marcou bastante. Desde que entrei na educação pública em Manaus, sempre trabalhei em escolas d periferia, principalmente na zona Leste, em comunidades tidas até mesmo como área vermelha, onde na maioria das vezes a juventude não tem muita perspectiva de futuro. Sobre esses jovens recai um discurso segregador e alienante de que alunos da escola pública, da periferia não têm futuro. Contudo, sempre procurei contrapor esse discurso elitista. Sempre procurei estimular meus alunos para que eles não assimilassem essa narrativa de “alunos sem futuro”, sempre procurando valorizar e reforçar seus pontos positivos. Dentre esses muitos alunos, havia um que era o capetinha, que todos diziam que iria ser um delinquente. Contudo, sempre lhe aconselhava que, se ele estudasse, poderia ter uma outra vida, que ele tinha muito potencial. Acompanhei a vida escolar deste estudante da 6º até a 8º ano, sempre repetindo que ele tinha potencial, que poderia mais. Passados alguns anos, recebo uma mensagem no WhatsApp. Quem era? O dito aluno. Não sei como o mesmo conseguiu meu número, (acho na secretaria da escola), e, me enviou uma mensagem, na qual me agradecia pelas palavras que lhe havia ofertado ao longo do tempo que estudou na escola. Dizia que, de tanto eu falar que acreditava nele, no seu potencial, ele também começou a acreditar em si mesmo, passando a levar a sério os estudos. Na mensagem, dizia que havia se formado em economia. Minha alegria foi imensa. É uma coisa que não tem preço. Uma vaidade boa me tomou a alma. Saber que você faz a diferença na vida de alguém é muito significativo. Isso me marcou bastante e, comprovou o que sempre imaginei: Ensinar salva vidas.

Em relação a meus projetos no campo de educação…atualmente estou envolvido com pesquisas em sobre políticas educacionais, e, também pesquiso sobre ensino de história, ponderando como podemos estar aperfeiçoando o ensino de história, principalmente a partir do pelo letramento histórico. Estou em processo de doutoramento, e, logo logo, pretendo estar fazendo o meu pós doutorado.  Também estou com o projeto de lançar dois livros, um sobre possibilidades de sequências didáticas decoloniais, pensando a questão da história regional para além do marco eurocêntrico e, um livro de contos. Além de estar participando de duas coletâneas, na qual apresento capítulos de livros. Outro projeto que pretendo estar desenvolvendo para 2025 diz respeito a um convite de uma querida colega, profa. Mariene, pensando nos contadores de história, os Griots. Nesse projeto, retomando a tradição dos contadores de História, levaremos a História para além dos muros da escola, para os locais públicos, para as comunidades, trabalhando essa história pública. Fica o convite pra aqueles e aquelas que se sentirem tocados a participar deste projeto.

Com relação as minhas influências na educação, dialogo com as teorias progressistas, onde Paulo Freire é uma das minhas principais referências, assim como Saviani, Libâneo, e teóricos Marxistas, como Gramsci, principalmente devido a minha caminhada nos movimentos sociais. Atualmente dialogo com o pensamento de Pierre Bourdieu, ponderando os problemas e possibilidades educacionais pelo prisma da dialética simbólica. No campo da História minhas principais influencias foram Marc Bloch, Lucien Febvre, Thompson, Hobsbawm, Ciro Flamarion Cardoso, Selva Guimarães, Circe Bittencourt.

Por fim, agradeço ao professor Luís Lemos pelo convite. Geralmente falo pouco a respeito da minha vida e muito sobre meus sonhos. Sonhos de uma sociedade com justiça social. E, neste sentido, convido os (as) colegas a reavivarem seus sonhos. A maioria de nós professores/professoras, quando entrou na educação, entrou para fazer a diferença, para contribuir com na formação de cidadãos críticos e participativos. Não percamos está perspectiva. Nosso compromisso não é e não pode ser com governantes, mas sim com nossas crianças, com a juventude, com um mundo melhor. As turbulências são muitas, mas, somos amazônidas, não desistimos, é da nossa essência resistir. Continuemos na luta por um ensino escolar de qualidade e transformador. Sonhar ainda vale a pena”.

Luís Lemos

É filósofo, professor universitário e escritor, autor, entre outras obras, de "Filhos da Quarentena: A esperança de viver novamente", Editora Viseu, 2021.

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