Número de alunos da modalidade de Educação Para Jovens e Adultos (EJA) aumentou 23% na última década. Buscando mais autonomia e liberdade, estudantes ouvem comentários de intolerância, chegam cansados e famintos às aulas, e tentam superar o que os afastou do colégio na infância e na adolescência.
Cerca de 900 mil brasileiros com mais de 40 anos estão na escola para aprenderem a ler a escrever e a dominarem conhecimentos básicos de matemática e ciências. Sobre eles também recai o peso do preconceito e da sobrecarga emocional, que atinge alunos dessa idade em várias etapas da vida estudantil.
O caso de intolerância que mais ficou em evidência recentemente ocorreu no ensino superior, com a universitária que foi hostilizada por colegas em Bauru (SP). Mas há esses grupos de adultos e idosos que não chegaram à universidade (ainda) e que já enfrentam severas barreiras para retomar os estudos: encaram a falta de autonomia por não serem alfabetizados, são alvo de intolerância por tentarem aprender a ler “tardiamente” e desdobram-se para conciliar o emprego com as aulas noturnas.
Olhe só estes números:
- 35 milhões de brasileiros acima de 40 anos são analfabetos (segundo os dados mais recentes, de 2019, da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – Pnad),
- cerca de 900 mil estão na escola (Censo Escolar de 2022);
- e outros 600 mil são alunos no ensino superior (Censo de Educação Superior de 2021).
Nesta reportagem, o g1 foca no segundo grupo: o dos estudantes que estão na Educação Para Jovens e Adultos (EJA), modalidade de aulas voltadas a quem não concluiu os estudos na idade regular (não confunda com Encceja, que é a prova feita por quem quer o diploma do ensino fundamental ou do ensino médio).
O que aconteceu com as crianças e jovens, nas últimas décadas, para abandonarem o colégio ou nem chegarem a ser matriculados? O que motiva alguém com mais de 40 anos a enfrentar as dificuldades e entrar na EJA? E que desafios são esses?
Flávia da Silva, especialista em língua portuguesa e professora da rede pública de Goiás (inclusive da EJA), resume os motivos principais de abandono da escola:
- histórias de extrema pobreza;
- violência doméstica;
- gravidez e casamento;
- baixa autoestima gerada por problemas de aprendizagem não trabalhados ou identificados;
- bullying na escola;
- necessidade de trabalhar em período integral;
- maridos que proibiam as esposas de irem ao colégio;
- reprovações.
E há histórias em que os fatores se misturam.
Nascido em Pedrinhas (SE), o porteiro José Carlos Conceição, de 61 anos, não conhece as próprias origens – foi abandonado quando era criança e não se lembra de sua infância. Viveu na rua até os 16 anos, quando, ainda analfabeto, foi acolhido por um casal em Salvador.
“Comecei a lavar carro, a lavar panela em restaurante, mas sempre tive o sonho de estudar. Porque conhecimento supera qualquer riqueza de ordem material, né? Essas pessoas me disseram que o céu era o limite. Eu acreditei”, diz.
Foi com esse estímulo (e com a animação de ter conseguido ler gibis sozinho) que, durante a pandemia, José Carlos entrou na EJA, na modalidade à distância. Terminou os estudos, prestou o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2021 e foi aprovado em psicologia.
“Trabalho de madrugada, saio da portaria e vou direto para a aula de manhã. Os moradores do condomínio mudaram o jeito de me olhar quando souberam que faço faculdade”, conta.
“Mas já ouvi muitas frases preconceituosas na vida. ‘Numa idade dessa, estudando? Para quê?’. Eu respondo: ‘porque eu quero; é proibido?'”
Não, não é proibido. É direito constitucional.
As informações são G1.