24 de novembro de 2024

A história do menininho que virou presidente do JC

 Em 1946 fazia um ano que a Segunda Guerra acabara. O mundo era outro. O poderio bélico de Grâ-Bretanha, França e Alemanha havia chegado ao fim. Quem dava as cartas, agora, eram Estados Unidos e Rússia. O Brasil continuava na mesma, indo sem nunca chegar, bem como Manaus, uma pequena cidade com uma população que não ia além dos 150 mil habitantes, encravada na floresta, ainda praticamente intocada. A Manaus daquela época nada produzia em escala industrial. Vivia do extrativismo do que havia nos rios e na floresta. Guardava como recordação dos ‘tempos áureos da economia da borracha’, apenas belos palacetes e casarões, e um Teatro Amazonas abandonado. As principais diversões que existiam na cidade eram as poucas salas de cinema, e nos seus arredores, os banhos em igarapés de águas límpidas. Pois foi esse ambiente que o pequeno Guilherme, de apenas nove anos, encontrou vindo de uma vila do outro lado do rio Solimões, com algumas centenas de habitantes, Berury (a grafia era essa), onde nascera, em 1937. Atualmente o município de Beruri tem cerca de 20 mil habitantes.

O menino veio para Manaus, a mando de seus pais, fazer algo que certamente marcou o seu destino para o resto de sua vida: estudar. Durante oito anos estudou e foi interno no Colégio São Francisco, de onde saiu oito anos depois, já adolescente e com a cabeça focada no futuro, com o que queria ser profissionalmente. Manaus continuava no seu caminhar lento, para lugar nenhum. É provável que nesse tempo tenha surgido no garoto Guilherme o desejo de ser jornalista. 

A primeira cobertura

A Manaus da década de 1950 tinha cinco jornais diários: A Crítica (circulando desde 1949), A Gazeta (também de 1949); Diário da Tarde (de 1937) e O Jornal (de 1930); e Jornal do Commercio (de 1904). E ser jornalista dava status. O jornalista sabia das notícias antes de todo mundo. Em 1955, então com 18 anos, Guilherme iniciou nesta profissão. Com a facilidade que tinha em se comunicar e fazer amizades, o jornalismo o colocava em contato com políticos, empresários e pessoas influentes, o que pavimentou o seu caminho para o sucesso. Outro fator foi a visão empresarial, herdada do pai, Álvaro Fachina, que em Berury mantinha uma serraria e uma usina de extração da essência do pau rosa. Em 1953, devido a grande cheia, Álvaro trouxe as empresas para Manaus. Junto veio o restante da família de Guilherme, pai, mãe e cinco irmãs. Porém, o que o jovem queria era ser jornalista, e nem pensava em administrar os negócios do pai.  

Uma das grandes coberturas jornalísticas realizadas pelo rapaz foi a descoberta de petróleo em Nova Olinda do Norte, em 1955. O que parecia ser a nova redenção econômica do Amazonas, com pouco tempo se desfez. Na matéria ‘Excursão do rio Negro a Nova Olinda’ ele relatou o que viu durante a cobertura.

Quando A Gazeta completou dez anos, coube a Guilherme escrever um texto sobre a importante data, e ele aproveitou para ‘alfinetar’ os demais concorrentes enfatizando o slogan do jornal, ‘o melhor da cidade’. De A Gazeta ele assimilou a linha editorial, o que deixa bem claro na introdução de seu texto: ‘Foi nessa luta constante, contra os empecilhos que invariavelmente se opõem ao progresso de uma empresa, que eles (Avelino Pereira e Álvaro de Melo, proprietários do jornal) lutaram, reagiram, e trouxeram à lume esse vespertino, considerado uma das melhores fontes do jornalismo glebário, merecendo com destaque o título de ‘o melhor da cidade’.

Empresário das comunicações

Em 1960 Guilherme Aluízio saiu de A Gazeta e só então começou a trabalhar nas empresas do pai. Nascia ali o empresário e o jornalista permaneceria adormecido.

Manaus respirava novos ares. Em 1961 foi inaugurado o Hotel Amazonas, atraindo turistas de todo o mundo para a cidade; em 1957 foi a vez de a Refinaria Isaac Sabbá movimentar a economia local; e em 1962, com o surgimento da Brasiljuta, parecia que as indústrias finalmente fariam parte do cenário econômico da capital do Amazonas, o que se consolidou, em 1967, com a criação da Zona Franca de Manaus.

Nesse período Guilherme Aluízio inaugurou uma serraria em Manaus e duas, em Benjamin Constant, foi diretor e vice-presidente da Siderama (Companhia Siderúrgica da Amazônia), de 1967 a 1971; e em 1970, abriu a Navezon, empresa de navegação de transportes de combustíveis. O empresário se firmara. Enquanto isso, seus antigos amigos jornalistas da adolescência haviam se tornado importantes empresários da comunicação: Umberto Calderaro, desde 1949, com A Crítica; Phelippe Daou e Milton Cordeiro à frente da Rede Amazônica de Rádio e Televisão, desde 1972.

Em 1984 Guilherme Aluízio resolveu comprar um jornal e uma rádio que estavam indo a leilão: o Jornal do Commercio e a Rádio Baré. Era o jornalista de volta.

Daquele ano até sua morte, em 2019, o garoto que sonhou ser jornalista e acabou como empresário das comunicações, esteve na redação do Jornal do Commercio quase diariamente. Mesmo diante das inovações que a comunicação vem sofrendo, principalmente nos últimos anos, Guilherme Aluízio conseguiu manter a circulação do JC como uma tradição e um marco para a Amazônia, afinal, nenhum outro jornal impresso circula há 119 anos na região. Agora é esperar que o ideal daquele garoto de Berury, de se emocionar com o jornalismo impresso, permaneça por mais 119 anos. 

Fonte: ‘O último romântico’, de Elcias Moreira.

Evaldo Ferreira

é repórter do Jornal do Commercio

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