O Amazonas recebeu poucos negros cativos durante o período de escravidão que vigorou no Brasil até 1888. Aqui, escravos foram os índios mesmo. No entanto, nosso Estado tem uma África encravada em suas entranhas: a região do Alto Solimões, que a ONU classifica como um bolsão de miséria. Lá, a população vive com menos de um dólar por dia, taxa igual a de países miseráveis, os índices de analfabetismo são altíssimos e saúde pública é feita à base de medicina tradicional, com ervas e unguentos tirados da floresta. A economia das cidades fincadas nesta região sobrevive à custa dos repasses do Fundo de Participação dos Municípios e recursos para investir em infra-estrutura não existem.
Mesmo com toda essa penúria, ainda se dá um jeito de desviar recursos que seriam aplicados na melhoria dos municípios do Alto Solimões, através da roubalheira mais grotesca. O governo estadual já pagou R$ 18 milhões, parte de um convênio de R$ 34,9 milhões, à empresa Pampulha Construções e Montagens Ltda por obras que não existem e que deveriam ser iniciadas nos municípios de Tabatinga, Benjamin Constant, São Paulo de Olivença, Santo Antonio de Içá e Fonte Boa e mais nas comunidades de Betânia, Juí, Santa Rita, Porto Franco e Nova Prosperidade. São obras “fantasmas”, mas, na realidade, o que são mesmo é roubo de dinheiro público.
Se há uma região no Amazonas que mais carece de investimento público é a do Alto Solimões. Lá, jovens e adultos não têm qualquer esperança de prosperar na vida, a não ser que se integrem ao narcotráfico e arrisquem tudo numa viagem até Manaus, transportando alguns quilos de cocaína, que podem lhes render um dinheiro que jamais ganharão trabalhando honestamente, ou então uma prisão por tráfico de droga. A vida é dura no Alto Solimões. Crianças vão para as escolas, passam de ano, chegam a cursar até a quarta ou quinta séries do ensino fundamental, mas o grau de aprendizagem só lhes possibilita desenhar o próprio nome. Conhecimentos de outras áreas são inexistentes, eles não dominam os princípios básicos de matemática, da geografia ou da história. Na região do Alto Solimões as pessoas aprendem a fazer farinha, a pescar e a caçar e dessas atividades sobrevivem. Não existe perspectiva de vida para os amazonenses que moram nas barrancas do rio Amazonas a não ser se mudar para Manaus.
E mesmo assim, quando são alocados recursos para investir nesta região miserável este dinheiro é alvo da rapinagem. O Ministério Público Estadual está investigando o pagamento indevido por obras “fantasmas” e chegou a mandar uma comissão até esses municípios, comprovando assim as irregularidades. A trama reúne todas as características de uma armação envolvendo empresários, políticos e funcionários públicos. A isso se chama formação de quadrilha. Fiscais da Seinf (Secretaria de Estado de Infra-Estrutura), designados para acompanhar a execução das obras, assinaram laudo afirmando que “os trabalhos” estavam de acordo com as normas técnicas vigentes e o prefeito de Santo Antônio do Içá, Antunes Bittar Ruas, enviou um relatório à Seinf, confirmando a execução do serviço. O dinheiro foi sacado pela Pampulha Construções e Montagens Ltda e a forma como foi distribuído cabe agora ao MPE averiguar.
A lenda de Robin Hood sobrevive até hoje porque o objetivo de seus roubos era dividir entre os pobres o butim sacado dos ricos. Assim, o ladrão inglês criou para a si a aura do benfeitor que atravessa séculos. No entanto, no Alto Solimões, a lenda assume um lado perverso. Ladrões estão roubando dinheiro não de pobres, mas de miseráveis, de amazonenses que estão no mais baixo degrau da escala social, econômica, cultural e pessoal. Lá, entre mutucas diurnas, borrachudos noturnos e carapanãs de todos os turnos, de tudo falta. Faltam a saúde, a educação, a perspectiva de dias melhores e a infra-estrutura de qualquer monta. Faltam responsabilidade com o dinheiro público e a vontade de mudar essa situação que reduz a dignidade das pessoas a nada.
As obras “fan
África é aqui
O Amazonas recebeu poucos negros cativos durante o período de escravidão que vigorou no Brasil até 1888.
Redação
Jornal mais tradicional do Estado do Amazonas, em atividade desde 1904 de forma contínua.
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