14 de novembro de 2024

Arte nas fachadas

Avessos às dificuldades, artistas itacoatiarenses atuam em seus segmentos contando com apoio de editais de cultura.

Você, com certeza, já deve ter visto, ou participado, de uma exposição de quadros numa galeria de artes ou algum espaço similar. Mas ver esse tipo de arte pintado em fachadas de casas, e casas de um bairro onde vivem pessoas muito carentes, tenho certeza que nunca viu. Pois esse é o projeto do artista plástico itacoatiarense Carlos da Gama Marques, o Carlos Artes, executado em 2021, e que ele pretende reeditar agora em outro bairro carente da cidade de Itacoatiara.

“Trata-se do projeto ‘Pintando casas, transformando vidas’, apresentado por mim no edital intervenção urbana, do Prêmio Aldir Blanc. Como o projeto pedia intervenção urbana tive a ideia de transportar para a fachada das casas a arte que pinto em telas. Escolhi um dos bairros mais carentes de Itacoatiara, onde pretendia pintar cinco casas. Fui lá conversar com os moradores e explicar como tudo ocorreria”, contou.

“No começo os moradores estranharam. Acharam que teriam que pagar. Ninguém queria participar até que pintei a primeira casa, e tudo mudou de figura. Aí todos queriam ter suas casas pintadas, então tive que sortear as outras quatro”, disse.

Hoje, três anos depois, as pinturas já se tornaram fracas pela ação do tempo mas, curiosamente, a primeira delas é a que continua mais viva.

“Estou com um novo projeto pronto, aguardando o próximo edital, e já escolhi o local onde executarei minhas obras, será na comunidade do Serpa, no Quilombo, também um bairro bastante carente, aqui de Itacoatiara”, adiantou.

 

Início no Fecani

Carlos Artes integra um grupo de diversos artistas plásticos da ‘terra da pedra pintada’ que nunca frequentou uma escola de arte, mas nasceu com talento para o desenho e a pintura. Como vender quadros é para poucos, expressam sua arte abrindo letreiros em fachadas de empresas, ou realizando qualquer outro tipo de pintura. Os quadros se tornam uma exceção.

Como todo artista plástico, Carlos Artes começou com seus primeiros rabiscos ainda criança, na escola.

“As capas dos meus trabalhos escolares eram sempre muito bem desenhadas, o que chamava a atenção dos professores. Gostava muito de desenhar super-herois e os herois da Liga da Justiça. Nessa fase eu tinha uns oito, dez anos”, recordou.

O Fecani (Festival da Canção de Itacoatiara), um dos maiores festivais de música do país, teve sua primeira edição em 1985. Trata-se de um evento que reúne não só artistas da música, mas de todos os segmentos, principalmente da pintura. Paineis dos mais variados tamanhos são espalhados por todo o ambiente do Festival envolvendo um sem número de artistas profissionais e principiantes. Essa foi a primeira escola de Carlos Artes.

“Eu era ajudante de pintor. Um dos meus trabalhos era lavar os pinceis e, quando viram que eu tinha habilidade para a pintura, passei a fazer o acabamento das obras dos artistas, colorindo o que faltava colorir. Também aprendi a fazer pigmentação. Assim como eu os ajudava, eles me ensinavam. Entre esses artistas cito o Edgar Alecrim, o Iran Maia, e o Eliberto Barroncas”, listou.     

Foi então que um dos itacoatiarenses mais ilustres, o artista plástico, poeta, compositor, e escritor Anísio Mello, que estava no Fecani de 1997, viu o trabalho de Carlos Artes e convidou o garoto para ser seu aluno no Liceu de Artes do Amazonas Esther Mello, do qual era diretor, em Manaus.

Do Liceu à Casa dos Artistas onde estudou com Edson Queiroz, outro dos grandes nomes das artes plásticas amazonenses. Carlos ainda aprendeu técnicas de pintar letreiros, fazer paineis e placas luminosas. Já estava com 19 anos.

 

Editais de cultura   

“Fiz vários cursos. Um deles era de pintura predial, que eu imaginei ser uma coisa e era outra, e não me serviu, pois eu não queria ser pintor de prédio, porém, tempos depois, acabei sendo contratado para dar um curso sobre pintura predial, ou seja, todo aprendizado nos é importante”, ensinou.

Com 19 anos, Carlos Artes vendeu seu primeiro quadro, e não parou mais.

“Minha primeira exposição foi na Galeria de Arte Professora Terezinha Peixoto, em Itacoatiara. Expus dois quadros, vendi um e o outro ganhou um prêmio em dinheiro. Depois vendi também”, revelou.

Como os demais artistas plásticos de Itacoatiara, a principal fonte de renda de Carlos Artes vem de seus trabalhos publicitários.

“Esses editais de cultura nos ajudam bastante. Com o apoio financeiro recebido, podemos realizar a arte propriamente dita, pintando principalmente murais, como este, agora, que estou fazendo no Centro Cultural Velha Serpa, junto com outros artistas. Quadros, continuo pintando, e eles vendem, mas não dá pra viver disso. Curiosamente tem um tipo de quadro que faço e vendo todos. É com o escudo do Flamengo. Qualquer quadro que eu faça, com o escudo do Flamengo, vende na hora”, riu.        

Evaldo Ferreira

é repórter do Jornal do Commercio

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