A paulista Carolina Soler se formou em balé, mas muito além do que integrar um Bolshoi, ou um Royal Ballet, seu desejo era mais nobre: ensinar o que aprendera para crianças carentes e se emocionar em ver o caminho de sucesso que estas trilhariam na vida, fosse dançando, ou simplesmente vencendo os obstáculos no transcurso de sua existência.
“Nasci em Campinas e, com três anos, iniciei no balé clássico. Estudei numa escola vinculada aos exames da The Royal Ballet School, de Londres, cuja metodologia era usada nessa escola. Fui crescendo, prestando exames, evoluindo, mudando de grau, até minha formação no Royal Ballet”, lembrou.
Em 2004, ao invés de ir para Londres, Carolina veio para Manaus e aqui tornou realidade o seu sonho de ensinar balé clássico para crianças carentes.
“Comecei o projeto já em 2005, no Centro Cultural Estrela Nova, no Manoa. Como tinha uma escola próxima, a Escola Municipal João Braga, fui até lá falar sobre o projeto. A diretora gostou e divulgou para os alunos e qual não foi nossa surpresa quando, no sábado, no horário marcado, apareceram 80 crianças interessadas”, contou.
Para não frustrar nenhuma das crianças, Carolina as dividiu por idade e formou quatro turmas, e todas passaram a receber as aulas de balé.
“Um ano e meio depois desse início, acabamos indo para dentro da escola, que até hoje, 17 anos depois, é o nosso QG, o nosso ponto físico. Com o tempo, começaram a vir outras crianças, de bairros próximos e, tendo vaga nas turmas, ninguém fica sem a oportunidade de aprender balé gratuitamente”, disse.
Os que se destacam
Ainda em 2005, Carolina criou a Associação Belas Artes do Amazonas, sem fins lucrativos, oficializando suas atividades.
“Pelo projeto Belas Artes já passaram mais de 1.100 crianças, e hoje, algumas de minhas primeiras alunas, agora bailarinas, são professoras voluntárias das turmas iniciantes do projeto”, comemorou.
Carolina lembra que o ideal para se iniciar no balé é a partir dos cinco até os dez anos de idade, “mas isso não tem limite. Há dois anos criei turmas de balé para adultos, especialmente para as mães, que colocavam as filhas no nosso projeto e nunca haviam tido a mesma oportunidade”, revelou.
Outro orgulho de Carolina é ver seus alunos que seguem a carreira de bailarinos.
“Tenho ex-alunos, hoje bailarinos, que começaram bem pequenos, foram lapidados e agora atuam na área. Sei de quatro que já se formaram em dança, na UEA, e de outros sete que estão em formação, também na UEA. Confesso que minha intenção inicial não era essa, mas hoje fico bastante orgulhosa por eles terem seguido esse caminho”, declarou.
“E tem os que se destacaram. O Maxon, por exemplo, é do Balé Folclórico do Amazonas, e dá aulas em academia; a Perla vive da dança. É professora de crianças, em escolas; a Luiza também dá aula em escolas e ainda faz dança na UEA; tem a Raíssa, bailarina desde os oito anos. Com onze ganhou uma bolsa pra fazer balé no Álvaro. Hoje, com 19 anos, ela participou de um grande evento internacional, o Grand Prix da América Latina, evento remoto, no ano passado. É a que chegou mais longe. Em julho, foi solista n‘O lago dos cisnes’, no Teatro Amazonas, um espetáculo do Belas Artes, com a Filarmônica do Amazonas e o balé do Álvaro. Foi um grande marco, pois esse balé nunca havia sido apresentado na íntegra, em Manaus. E a Raíssa arrasou”, afirmou.
Para meninas e meninos
Em 17 anos de existência o Belas Artes já encenou 21 espetáculos, o mais recente, ‘Divertidamente’, foi apresentado no último final de semana de novembro. Tudo a ver com a história da animação homônima onde a pequena Riley, de onze anos, convive com as várias emoções que habitam seu cérebro.
“Além de bailarina, sou arquiteta, pós-graduada em neuroarquitetura. Estudamos como processamos as informações e de que forma somos impactados pelo ambiente, por isso criei o balé ‘Divertidamente’ com elásticos, tipo teias, ou construções neurais, para mostrar como se processam as informações, e levei para o palco essa sinapse”, explicou.
Anualmente o Belas Artes abre 150 vagas. Este ano as atividades já encerraram, mas as matrículas iniciam em fevereiro.
“E não é só para meninas. Precisamos acabar com o preconceito. Um exemplo é o João Pedro. Em 2014 ele tinha quatro anos quando me viu encenando ‘A bela adormecida’, e disse para a mãe que queria dançar balé. Mesmo ele tendo menos de cinco anos, eu o aceitei no projeto tal era seu interesse. Durante um tempo, a mãe do João Pedro escondeu do pai que o menino dançava balé, até que resolveu contar. Hoje a família apoia o menino. Eu super estimulo meninas e meninos a dançarem balé porque é uma atividade muito importante para o corpo e para a mente”, garantiu.
“Com os meus 17 anos de experiência eu sempre digo: nunca abandone os seus sonhos.
O balé clássico é para todos. Existem pessoas que não tiveram oportunidade quando crianças, e hoje fazem balé. Tenho exemplos de bailarinas que começaram aos 45, 52 anos. O cantor Léo Jaime faz balé. Ele iniciou com mais de 40 anos e se tornou um exímio bailarino, mesmo sem ter a estrutura corporal clássica. Hoje ensino crianças e suas mães. Isso é fantástico”, finalizou.
Informações: @belarte_amazonas
por Evaldo Ferreira: @evaldo.am