18 de setembro de 2024

Banco Central elevou a taxa pela nona vez consecutiva

Como esperado, o Copom (Comitê de Política Monetária) continuou a apertar os cintos e decidiu por unanimidade, nesta quarta (16), calibrar em um ponto percentual a taxa Selic. Em meio aos impactos econômicos globais da guerra na Ucrânia, e uma economia brasileira já em ritmo de estagnação, o BC (Banco Central) elevou a taxa pela nona vez consecutiva, em decisão já antecipada pelos analistas financeiros. Com isso, os juros básicos da economia passaram de 10,75% para 11,75% ao ano, chegando ao seu patamar mais elevado, desde abril de 2017 (12,25%).

Até o encerramento desta reportagem, o Copom ainda não havia divulgado o seu comunicado. Analistas do mercado financeiro ouvidos semanalmente na pesquisa Focus do BC, apontam que a Selic deve continuar aumentando. A estimativa é que a taxa suba para 12,5%, no começo de maio, e para 12,75%, em meados de junho, permanecendo assim até o fim de 2022. Economistas e dirigentes classistas ouvidos pela reportagem do Jornal do Commercio se dividem quanto à continuidade da política de aperto monetário, em uma conjuntura econômica em que o peso da escassez da oferta é muito maior do que o dos soluços da demanda.

O aperto monetário definido nesta quarta (16) pelo Copom veio em ritmo menor. Depois de três aumentos seguidos de 1,5 p.p., a taxa foi elevada em 1 ponto. De março a junho do ano passado, o Comitê tinha elevado a Selic em 0,75 p.p. em cada encontro. No início de agosto, o BC passou a aumentar a Selic em 1 ponto a cada reunião. Com a decisão, os juros básicos seguem ciclo de alta, após seis anos de estagnação e baixas. De julho de 2015 a outubro de 2016, permaneceram em 14,25%. Depois disso, passaram por um ciclo de cortes, até atingirem 2%, em agosto de 2020, em virtude da contração econômica – menor patamar desde o começo de 1986.

“Cenário de incertezas”

A conselheira do Corecon-AM, ex-vice-presidente da entidade, e professora universitária, Michele Lins Aracaty e Silva, avalia que a elevação dos juros pelo BC constitui mais uma tentativa para frear a inflação, fator “que assombra todas as economias” do mundo, assim como os impactos do conflito europeu nos preços de produtos básicos, como fertilizantes, milho e petróleo, entre outros. “As expectativas não são positivas, visto que o conflito agrava ainda mais o cenário de incerteza, que vem desde o início da pandemia, e intensifica o choque de oferta em nível internacional”, lamentou.

A economista diz que a volatilidade do preço do petróleo deve ser observada “com muita preocupação”, pois influencia afeta toda a cadeia produtiva, o que contribui ainda mais para o processo inflacionário. Mas, avalia que a decisão do BC foi acertada. “Estamos em um cenário de incerteza e de conflito. Ademais, acompanhamos com muita cautela uma nova onda de contaminação de covid-19 na China, que também impacta na cadeia de suprimentos, dadas as medidas severas de confinamento que paralisam as atividades produtivas e afetam a produção em todas as unidades fabris que fazem uso de insumos e matérias-primas oriundas da região afetada”, apontou.

O consultor empresarial, professor universitário, e também conselheiro do Corecon-AM Francisco de Assis Mourão Junior, considerou o aumento desnecessário e lembra que a ata do próprio Copom já havia antecipado essa alta, em caso de repique inflacionário, o que foi favorecido pela guerra na Ucrânia. “Há um outro fator em torno dessa decisão, que deve ser levado em conta. A Selic mais alta está favorecendo a entrada de capital estrangeiro, segurando o real. E isso tende a continuar, porque economia americana está com juros baixos e inflação alta. E a guerra está ajudando nisso, também”, frisou. 

O consultor empresarial, e presidente do Corecon-AM e do Sindecon-AM (Sindicato dos Economistas do Estado do Amazonas), Marcus Evangelista, pontua que a ideia do BC é conter o consumo, já que os financiamentos ficam mais caros e o consumidor tem “uma tendência natural” a não comprar, fazendo com que o mercado se retraia e a inflação supostamente controlada. Em paralelo, o economista contrasta que o atual cenário de guerra gera escassez de oferta, o que já é sentido na gasolina, trigo e fertilizantes. 

“A tendência natural é que, além da inflação interna, vamos sofrer os reflexos dessa guerra na Europa. E essa subida da gasolina e do diesel no Amazonas tem um efeito duplo, em razão dos preços dos fretes, com impactos em uma nova guinada da inflação. É um efeito cascata. Esperamos que essa inflação perdure até o meio do ano, com os preços recuando um pouco no segundo semestre, e a economia começando a ativar. É lógico que isso tudo vai acontecer, se a guerra tiver lá o seu final”, analisou.  

Remédio e veneno

O presidente da Aficam, Roberto Moreno, salienta que “infelizmente” a nova alta de juros promovida pelo Copom é o “remédio necessário” para conter a escalada inflacionária. E acrescenta que, diante da atual conjuntura global, o tempo para reversão não sinaliza ser imediato. “Esse é o remédio a ser aplicado, mesmo com as consequências. O importante é que a inflação reaja rapidamente ao aumento de juros, e inicie queda. O problema é a conjuntura mundial, devido à guerra que, se demorar muito, acaba forçando esses reajustes. Acredito que, se esse conflito cessar brevemente – e que Deus permita isso –, nossa economia tem força para reagir rapidamente”, afiançou.

Na mesma linha, o presidente da Faea, Muni Lourenço, disse à reportagem do Jornal do Commercio que a nova rodada de alta nos juros básicos “infelizmente” já era esperada, “sobretudo pelo aumento da inflação e o contexto da guerra”. O dirigente aponta que a alta impacta todas as atividades econômicas, sendo que o efeito mais evidente no setor agropecuário é o encarecimento das linhas de crédito rural. “Estamos vivendo uma situação bastante complexa, com escalada da inflação, agravada com as incertezas de uma guerra. Com isso, o aumento dos juros praticamente é inevitável. Aliás, isso está ocorrendo em outros países”, ponderou.

Em contrapartida, o presidente do Sinduscon-AM definiu a nova elevação de juros como “completamente inadequada”. “Não há mais ambiente para elevação de juros. A oferta já estava mais tranquila e acabou aquela demanda do consumidor que estava tendo. Mas, no nosso setor, já vemos novos aumentos nas siderúrgicas, de 20%. O cimento também já subiu. Saímos da pandemia e entramos em novo ciclo de reajustes, em razão da guerra. Essa alta nos juros só faz diminuir as expectativas de lançamentos para 2022”, desabafou.

Já o presidente da Fecomercio-AM, avalia que “é preciso pensar muito para dar sentido” à escolha do Copom, e aponta que, embora o motivo apontado seja segurar a inflação, o momento atual tornaria isso “algo relativo”. No entendimento do dirigente, a decisão do BC acaba sendo “política” e funcionando mais no âmbito emocional do que no real. O comerciante ressalta ainda que, quanto maior a taxa de juros, mais elevado é o impulso  da especulação, em detrimento da produção, vendas e empregos. 

“Minha avalição é que, quando se cria um ambiente de investimentos, e as empresas se comprometem a produzir, aumentam os empregos e a arrecadação tributária. Isso traz benefícios enormes. Segurar a demanda por meios artificiais, em um momento em que o trabalhador está desempregado, e a inadimplência está beirando os 50%, é criar uma expectativa que não atende a necessidade básica de movimentar a economia e gerar benefícios para a população”, finalizou.

Marco Dassori

É repórter do Jornal do Commercio

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