O consumidor de Manaus ficou menos endividado e mais inadimplente em setembro. Ao menos 531.021 famílias relataram ter contas a vencer, o equivalente a 80,7% do total. O resultado veio abaixo de agosto (83,5% ou 548.209), na sexta queda mensal consecutiva. Mas, permanece muito acima de 12 meses atrás (73,9% ou 479.130). Quem tem renda abaixo de dez salários mínimos viu seu comprometimento de renda com meios de pagamento e financiamentos avançar de 73,1% para 81,4%, em um ano. O contrário ocorreu com os que ganham mais (73,8%), que seguem como os mais ‘pendurados’ em cartões e carnês.
Em contraste, a fatia de famílias com contas atrasadas chegou a 37,2% (244.154) e subiu frente a agosto de 2023 (37,6% ou 247.184) e setembro de 2022 (33% ou 214.191) – quando as taxas de juros e da inflação estavam ainda mais escaladas. O oposto se deu, entre os que não tem mais condições de pagamento (15,5% ou 101.745). Em relação a um ano atrás, a alta da inadimplência se disseminou entre todos os públicos, mas o percentual de consumidores que não poderão pagar a próxima fatura (41,2%) caiu. É o que revela a Peic (Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor), da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo).
A capital amazonense teve uma progressão melhor do que a média nacional, embora sustente percentuais mais elevados. Segundo a sondagem, a taxa de endividamento do consumidor do Brasil estabilizou em 77,4%, na variação mensal. A proporção de famílias de Norte a Sul com contas e empréstimos a pagar, no entanto, voltou a declinar quando confrontada com o patamar do mesmo mês de 2022 (79,3%). A estagnação deu a marca no percentual de consumidores inadimplentes (30,2%) nas variações mensal e anual. Mas a parcela de brasileiros já sem fôlego para quitar débitos (13%) cresceu em ambas as comparações e é a maior desde janeiro de 2010.
A nova queda da Peic soma-se à 15ª alta consecutiva da ICF (Intenção de Consumo das Famílias) de Manaus, também da CNC. Em um mês sem datas relevantes, foram registradas melhoras na percepção sobre renda e emprego, mas o impulso veio basicamente do público de baixa renda. Já a disposição de adquirir bens duráveis voltou a cair, apesar da avaliação positiva sobre o acesso ao crédito. Medido pela mesma entidade, o Icec (Índice de Confiança do Empresário do Comércio) confirmou uma quarta e tímida subida na capital, com uma percepção mais positiva sobre a conjuntura econômica atual e maior preocupação com a saúde da empresa.
Cartões e carnês
A CNC informa que o cartão de crédito estabilizou sua participação no bolo das dívidas e continua sendo fator predominante no endividamento do consumidor de Manaus. Ele respondeu por 66,5% das dívidas locais –contra os 66,6% de julho. O endividamento, neste caso, é maior entre as famílias de maior renda (83,1%). Conforme a Anefac (Associação Nacional de Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade), o cartão de crédito ainda é a modalidade de financiamento mais cara do país, com juros mensais de 14,95% (e 432,24% anuais), em setembro –e a única a aumentar sua taxa média (+0,54%)
Os carnês (49,5%) reduziram a participação entre os débitos das famílias de Manaus, mas mantiveram a vice-liderança, sendo impulsionados também pelos que recebem mais (54,5%). O crédito pessoal (16,9%) também caiu nas preferências, mas continua em terceiro lugar, sendo seguido por “outras dívidas” (10,6%), financiamento de carro (8,9%), cheque especial (8,4%), crédito consignado (6,8%) e financiamento de casa (4,6%). Invenção brasileira, e tradicionalmente de uso exclusivo dos mais pobres, o cheque pré-datado pontuou 0,8% sofreu repique e passou a ser preferido pelos mais ricos (1,7%).
Apesar da nova queda da Peic, o percentual de consumidores que se dizem “muito endividados” subiu para 25%, sendo essa uma condição mais comum entre as famílias de menor renda (25,7%). A fatia dos “pouco endividados” (33,2%) ainda é majoritária – principalmente entre as famílias mais abastadas (42,5%) –, mas já sofreu regressão. O grupo dos que se declaram “mais ou menos endividados”, por outro lado, encolheu para 22,5%.
Em média, as famílias de Manaus devem levar 30 semanas para quitar as dívidas. Predomina a fatia majoritária e cadente dos consumidores que esperam levar mais de um ano (31,3%) para isso. A faixa que mais subiu é a dos devedores com até três meses de compromissos adiante (27,3%). O comprometimento médio da renda dos consumidores caiu para 32,7%. Em torno de 27% gastam mais da metade do que ganham, mas esse grupo ainda é superado pelos que consomem de 11% a 50% de seus rendimentos (56,2%).
Entre os endividados, 46,5% caíram na inadimplência, em número maior do que o de agosto (44,5%) e com predomínio dos mais pobres. Apenas 22,3% garantem que conseguirão quitar o compromisso integralmente no próximo mês –contra os 27,5% do levantamento anterior. Outros 36,3% estimam que vão pagar parcialmente, e 41,2% assumem que vão seguir devendo. Em média, as dívidas estão atrasadas há 59 dias, sendo que a maioria dos entrevistados em Manaus (31,3%) está pendente por mais de um ano.
Rotativo e parcelamentos
Em entrevistas recentes à reportagem do Jornal do Commercio, o presidente em exercício da Fecomércio-AM, Aderson Frota, avaliou que o consumo sobe “de forma raquítica” e que as famílias estão com níveis “muito altos” de inadimplência desde 2022, em um cenário em que o rotativo dos cartões de crédito “é um perigo”. “O programa Desenrola atinge uma faixa muito pequena, mas já está operando. O aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda e do salário mínimo se incorporam ao esforço do governo federal de ressuscitar o poder de compra do consumidor”, sintetizou, ressalvando que os impactos negativos da seca podem comprometer esse cenário nos próximos meses.
Em texto distribuído pela assessoria de imprensa da CNI, o presidente da entidade, José Roberto Tadros, a estabilidade geral no endividamento das famílias no Brasil é importante para a construção de um cenário econômico favorável. “Preocupa, no entanto, o aumento do índice nas faixas de renda mais baixa e, inclusive, com tendência de aumento da inadimplência dessas famílias”, frisou. As altas anuais nos indicadores para as famílias que ganham até três mínimos foram de 0,3 e de 0,7 pontos percentuais, respectivamente.
Para o dirigente, os desafios persistem, especialmente em relação aos juros elevados do cartão de crédito. “Uma pesquisa inédita da CNC revelou que 90% do varejo tem suas receitas provenientes de compras parceladas sem juros no cartão de crédito, pelo menos parcialmente, o que evidencia também a inclusão das pessoas de renda média e baixa no mercado de consumo”, observou, destacando que o parcelamento sem juros deve ser mantido e vir acompanhado de uma “racionalização da taxa de juros do rotativo”.