24 de novembro de 2024

Contrato informal ganha relevância para trabalhadores domésticos

Embora a aprovação da Emenda Constitucional 72 conhecida como a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) das Domésticas tenha sido vista como vitória no setor, ainda há  desafios para manter e fortalecer as medidas que equiparam os direitos da categoria aos demais empregados. Aprovada há dez anos, o que sobra é um saldo de migração para os acordos informais retratando um cenário que permeia o trabalho por anos precarizado.

Quando foi aprovada, representantes do segmento e entidade trabalhista já projetavam que o número de trabalhadores domésticos no Amazonas, com carteira assinada, seria reduzido, refletindo no aumento da informalidade dos empregados do setor.

Ao menos 4,4 milhões de trabalhadores domésticos atuavam sem carteira assinada, ou seja,  74, 8% do total dos índices correspondentes até janeiro de 2023, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Ao mesmo tempo que a informalidade na atividade doméstica tem aumentado, alguns pontos de conflitos na regulamentação da lei são avaliados pela presidente da Adcea (Associação das Donas de Casa), Neuda Maria de Lima. É o caso dos custos gerados para manter uma empregada doméstica no regime CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Ou seja, ao mesmo tempo que  trata-se de um trabalho como qualquer outro com benefícios, os tributos trabalhistas de responsabilidade do empregador pesam na hora de manter esse profissional. “É complicado, principalmente para as famílias de classe média baixa optarem pelo contrato em carteira. O mercado ficou muito caro. As trabalhadoras domésticas e as outras atividades que se enquadram dentro desse nicho, estão encontrando dificuldade de ter registro em carteira e optando pelo trabalho autonômo”. 

E essa tendência tem reforçado a continuidade das perdas dos direitos trabalhistas, objeto principal das lutas da categoria ao longo de toda essa trajetória. 

“Hoje, a preocupação está associada a este comportamento. Em função dos custos, a maioria dos empregados domésticos estão na informalidade e perdendo os seus direitos. A gente tem a sensibilidade de conversar com estes profissionais para que fiquem atentos. Ter uma diária é importante, a gente entende que é melhor ter uma renda pequena do que não ter nenhuma, mas neste caso, que elas possam buscar uma outra alternativa de contribuir com a previdência porque quando chegar a idade fica difícil sem nenhum tipo de apoio”. 

Gilvan Motta, Superintendente Regional do Trabalho no Amazonas, evidenciou que as mudanças com a aprovação foram bem-vindas, pois garantiram uma reivindicação antiga da classe. 

Pela regra atual, prevista na CLT, através do e-Social existem inúmeras vantagens e direitos trabalhistas antes sonegados diante do trabalhador doméstico como FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), salário-família, seguro-desemprego, adicional noturno, entre outros. 

Esses direitos trabalhistas consagrados a todos os trabalhadores brasileiros formais também incluem hoje as atividades domésticas. “E na declaração através do e-Social o governo tem a plena ciência de quantos trabalhadores existem, onde estão e que atividade desenvolvem”. 

Em relação ao aspecto da informalidade, ele admite que entre 2019 e 2021 houve um aumento significativo da informalidade. “Como é sabido, registramos efeitos em virtude da pandemia no qual o período mais crítico foi entre 2019 e 2020, nesse sentido, além de alta no número de desemprego, principalmente na área de serviços, automaticamente os gastos e os custos de várias famílias tiveram decréscimo o que forçou muitos empregadores dispensarem os seus colaboradores domésticos”, pontuou. 

Informalidade ainda é atrativa

A expectativa da diarista Irani de Oliveira era efetivar o trabalho doméstico por meio de  registro em carteira, mas o patamar da formalidade com inúmeras deduções esbarra em barreiras econômicas. Motivo pelo qual ela migrou para a informalidade. “Com vários descontos na CLT meu rendimento não chegaria a R$ 1mil”, disse ela informando que o valor não seria suficiente para manter a casa e os dois filhos já que é mãe solteira.

“Se eu fizer uma diária de segunda a sexta-feira meu faturamento mensal chega a R$ 3 mil. Mesmo que eu abra mão dos direitos com carteira assinada eu prefiro assim”, afirmou. Além disso, ela contou que se optasse pelo trabalho com regime CLT teria um compromisso fixo todos os dias, algo que ela não gostaria, já que o regime informal traz essa flexibilidade de escolha de dias e horários. 

Cabe ressaltar que por meio do Simples Doméstico são recolhidos os seguintes tributos: de 8% a 11% de INSS descontados do salário do trabalhador. 8% de contribuição patronal para o INSS. 8% para o FGTS. Com essa quantidade de direitos

Para Mario Avelino, Presidente do Instituto Doméstica Legal, a informalidade é preocupante no setor, já que em uma ação trabalhista, o empregador vai ter sérios prejuízos. “Queremos que o empregador tenha estímulos ou benefícios para poder contratar formalmente a sua empregada. O patrão doméstico é um grande gerador de trabalho e renda e deve receber benefícios e ser valorizado como tal “, diz.

Mario acrescenta que dois Projetos de Lei, que criam estímulos às melhorias do emprego doméstico, estão parados no Congresso Nacional. Um é o Projeto de Lei PL 1766/2019 que visa a dedução do INSS na Declaração Anual de Ajuste de Imposto de Renda, que foi aprovado no Senado Federal, e espera a votação na Câmara dos Deputados Federais desde dezembro de 2019. O outro é o Projeto de Lei PL 8681/2017 que recria o REDOM (Programa De Recuperação Previdenciária dos Empregadores Domésticos), para refinanciamento da dívida do INSS do empregador doméstico, parado na Câmara dos Deputados Federais desde 2017. O REDOM foi criado em 2015 pela Lei Complementar 150/2015, que regulamenta o emprego doméstico, mas foi boicotado na época pela Receita Federal.

“É sempre bom lembrar que é mais barato ter o empregado dentro da lei do que fora dela.  Quem não cumpre com as obrigações trabalhistas pode ter complicações, principalmente uma ação trabalhista, além de problemas com a Receita Federal e a fiscalização do Ministério do Trabalho e Previdência. Em muitos casos, pode pagar multas com juros e correção monetária, além de prejudicar o empregado doméstico, pois sem a carteira de trabalho assinada, não há os direitos trabalhistas conquistados pela PEC das Domésticas “, diz.

Efeitos drásticos da pandemia

A categoria foi a que mais sofreu na pandemia com a redução de postos de trabalho. Apesar da recuperação desde 2022, houve um crescimento da informalidade.  A diminuição do número de empregados domésticos com carteira assinada se deve ao fato de que muitos empregadores perderam suas rendas e fecharam suas empresas nos últimos anos. Aumentou muito o número de diaristas, que não são profissionais informais e sim autônomas que trabalham até 2 vezes por semana. O Home Office acabou proporcionando a troca de uma empregada mensalista por uma diarista. Mas muitos empregadores estão arriscando com a contratação, sem carteira assinada, de trabalhadoras por três ou mais dias na semana.

Em  2013, ano da Pec, a informalidade no emprego doméstico era de 66,96%, sendo:

Total de empregados domésticos = 6.423.000; Formal = 2.122.000 = 33,04%; Informal = 4.301.000 = 66,96%.

Os índices estão alinhados com a percepção do superintendente do SRT-AM. Segundo ele, o risco à saúde foi o responsável pela redução nos contratos via CLT. “Em termos de segurança doméstica os empregadores optaram por terceirizar os serviços contratando diaristas”. 

Fiscalizações

No que diz respeito à fiscalização que compete à entidade, ele informou que, a título administrativo, hoje há um quadro de auditores fiscais de trabalho extremamente reduzido a nível nacional. Em relação à atividade doméstica, não há um plano de fiscalização, inclusive, sem  pessoal  para tal. “Razão pela qual possam existir inúmeros empregadores que não cumprem a legislação. Mas isso é uma questão que certamente o governo está preocupado e que provavelmente nos próximos meses com o término da pandemia nós iremos trabalhar essa matéria para ter uma melhor efetividade na inspeção”. O que não impede uma denúncia.  “A minha recomendação é que o cidadão que se sinta prejudicado e não tenha uma relação de trabalho assegurado nós imediatamente vamos até o local, porque nós temos acesso diretamente pelo e-Social, embora não sabemos se o trabalhador está efetivamente recolhendo todos os encargos inerentes à atividade”. 

Sobre a PEC

No dia 2 de abril de 2013 foi promulgada a Emenda Constitucional nº 72, a chamada PEC das Domésticas. Desde que a PEC entrou em vigor, muitas mudanças aconteceram, inclusive com a aprovação da Lei Complementar 150/2015, que regulamentou a Emenda Constitucional 72. O trabalhador doméstico passou a ter direito ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), direito ao seguro-desemprego, salário-família, adicional noturno, adicional de viagens, entre outros.  A ONG Instituto Doméstica Legal teve uma grande participação na aprovação da PEC e na elaboração e criação da Lei Complementar 150.

Outros números

Segundo dados levantados pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), com base na Pnad-Contínua do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas). Atualmente há cerca de 5,9 milhões de trabalhadoras domésticas no país. Elas são cerca de 13% do total de mulheres ocupadas no Brasil. Desse total, 4 milhões são trabalhadoras sem carteira assinada.

Andréia Leite

é repórter do Jornal do Commercio

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