24 de novembro de 2024

CPI da Pandemia e ZFM em meio a caldeirão político

Inclusão da ZFM em sua live incendiou bancada amazonense que considerou o fato uma ameaça velada

A ameaça velada do presidente Jair Bolsonaro à Zona Franca de Manaus, feita durante sua live desta quinta (20) caiu como uma bomba junto ao meio político amazonense e já provocou reações nesta sexta (21). Em um dia sem sessões no plenário do Congresso, senadores e deputados federais do Amazonas trocaram a tribuna pelas redes sociais para manifestar desagravo ao que consideraram um gesto de intimidação aos senadores Omar Aziz (PSD) e Eduardo Braga (MDB-AM) – ambos integrantes de destaque na CPI da Covid – e lembraram que a existência da ZFM é protegida pela Constituição. 

Durante a transmissão, pelas redes sociais do Planalto, e ao lado do ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, o presidente da República propôs um exercício de imaginação que desagradou os políticos amazonenses: “Imagine Manaus sem a Zona Franca. Hein, senador Aziz, você que fala tanto na CPI… Senador Eduardo Braga, imagine aí o Estado, ou Manaus, sem a Zona Franca”, sugeriu.

A frase foi interpretada pela maioria dos políticos amazonenses como uma ameaça velada a Omar Aziz, presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito que investiga a atuação do governo federal no enfrentamento à pandemia, e Braga, que faz parte do chamado G-7 – grupo de senadores considerados independentes que integram a mesma CPI. Principalmente porque veio no encerramento de uma semana que apresentou saldo político negativo para o governo federal na referida comissão, conforme análise de especialistas e dos próprios políticos locais.

“Garantia constitucional”

A reação mais contundente veio do presidente da CPI da Covid, senador Omar Aziz. “O presidente pode me ameaçar, ameaçar o Eduardo [Braga]. Mas, quando ameaça a Zona Franca de Manaus, o negócio é mais embaixo. É preciso respeitar os amazonenses, porque ele não pode ameaçar algo que é garantido por lei, que garante o sustento e a vida de tantos amazonenses e que tem um importante papel na economia, não apenas do nosso Estado, mas do Brasil”, afiançou, por meio de sua assessoria de imprensa. 

Na mesma linha, o senador Eduardo Braga (MDB-AM) assinalou, em postagens em sua conta no Twitter, e também em texto de sua assessoria, que a insinuação presidencial não pode ser vista apenas como uma mera intimidação aos políticos do Amazonas. Para o político, trata-se de uma ameaça ao povo amazonense, que já sofre com a enchente, com a pandemia, “os desgovernos”, e agora uma “ameaça ao sustento das famílias”.

“A ZFM tem garantia constitucional, além de ser patrimônio do povo amazonense e um inestimável instrumento de preservação da maior floresta tropical do mundo”, reforçou Eduardo Braga, no mesmo texto, acrescentando que só uma nova Constituição Federal poderia retirar o modelo de desenvolvimento regional do Amazonas.

Embora não integre a CPI da Covid, o senador Plínio Valério (PSDB-AM) também reagiu ao novo destempero presidencial, por meio de texto distribuído por sua assessoria de imprensa. O parlamentar lamentou a declaração, “infeliz” e que “pode cheirar ameaça”, lembrando sempre apoia pautas republicanas do governo federal que ajudam o país. Mas frisou que sempre vai agir contra qualquer medida que prejudique o Amazonas e a ZFM – acrescentando que o modelo é superavitário em R$ 84 bilhões e emprega 84 mil trabalhadores.

“Eu até nem quero crer que seja ameaça, presidente. Nem quero crer porque não procede, não cabe. Não é assim que se deve tratar o Amazonas. Nós merecemos todo o respeito. (…) Agora eu não imagino, é o Brasil, presidente, sem a Amazônia. Não dá pra imaginar. Nós, amazonenses, na época da borracha, sustentamos esse país, iluminando o Rio de Janeiro com o nosso dinheiro, com o dinheiro arrecadado aqui, construindo a ferrovia Serra Mar e também pagando a dívida externa”, lembrou Plínio.

Medo ou orgulho?

A fala presidencial mal colocada repercutiu também entre os representantes do Amazonas na Câmara dos Deputados, que não integra a CPI. Em suas redes sociais, o primeiro vice-presidente da casa legislativa, deputado Marcelo Ramos (PL-AM) disse que prefere imaginar a ZFM sem o [ministro da Economia] Paulo Guedes. O parlamentar frisou ainda que, mais do que intimidar “os senadores Omar e Braga”, a ameaça à Zona Franca afeta os empregos “de milhares de amazonenses”, os negócios das empresas que investem em Manaus e a receita dos impostos estaduais que pagam saúde, educação e cestas básicas em um período de cheia e pandemia.

“O presidente usou uma ameaça à Zona Franca para atingir os senadores, incomodado com a postura de ambos na CPI que investiga a atuação do governo federal no enfrentamento da pandemia. Essa conduta demonstra duas coisas. Primeiro, que ele está apavorado com o que pode ser o resultado dessa investigação. E segundo que ele não tem compromissos maiores com o povo do Amazonas. (…) O presidente precisa parar de destilar ódio e cuidar de comprar vacina, porque é isso que o povo brasileiro espera dele”, frisou.

Mais veemente, o deputado federal José Ricardo (PT), considerou que a declaração presidencial “é chantagem e crime”. “De novo Bolsonaro ameaçando prejudicar a ZFM. Agora, para pressionar senadores do Amazonas na CPI da Covid. Na verdade, são ameaças aos empregos, às empresas e à saúde, educação e investimentos no Estado. Não sei porque tantos deputados e senadores daqui apoiam ele”, lamentou, lembrando que o presidente da República recebeu, em tempos recentes, o título de cidadão amazonense pela Aleam (Assembleia Legislativa do Amazonas). 

A única fala em defesa do presidente veio do deputado federal Capitão Alberto Neto (Republicanos-AM). Em vídeo postado em suas redes sociais, o parlamentar garantiu que a declaração foi tirada de seu contexto. “O presidente Bolsonaro em nenhum momento ameaçou a ZFM. O que ele fala é do orgulho dos governos militares, que criou a Embrapa, a ponte Rio-Niterói, e a própria Zona Franca de Manaus. Ele está expressando esse orgulho e não ameaçando o modelo, ao falar das realizações dos governos militares. O presidente tem como prioridade o desenvolvimento regional de nosso país”, encerrou. 

Foto/Destaque: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Marco Dassori

É repórter do Jornal do Commercio

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