18 de outubro de 2024

“Do pirarucu se aproveita tudo”: pele do pirarucu se tornou um item comercial a mais para os moradores da RDS Mamirauá

A Nova Kaeru transforma o insumo em um curtume orgânico utilizado na fabricação de cintos, bolsas, sapatos e estofados.

Com apoio da FAS (Fundação Amazônia Sustentável), manejadores da RDS (Reserva de Desenvolvimento Sustentável) Mamirauá, no município de Fonte Boa, estão engordando a renda com a comercialização da pele de pirarucu para a empresa Nova Kaeru, do Rio de Janeiro. A Nova Kaeru transforma o insumo em um curtume orgânico utilizado na fabricação de cintos, bolsas, sapatos e estofados. A parceria garante a geração de renda para as famílias manejadoras, com a pele do pirarucu vendida atualmente ao preço de R$ 160, a peça. Apesar de o manejo do gigante dos rios ter iniciado, em 1999, na RDS Mamirauá, só recentemente começou-se o aproveitamento da pele. Para manter a qualidade do insumo, a FAS e a Nova Kaeru promovem capacitações dos manejadores para que aprendam a fazer corretamente a retirada e o beneficiamento da pele do pirarucu, deixando-a pronta para ser transformada em matéria-prima para vestimentas e acessórios, conforme explicou ao Jornal do Commercio Valcléia Solidade, superintendente de Desenvolvimento Sustentável de Comunidades da FAS.

Jornal do Commercio: O manejo do pirarucu é realizado em várias comunidades da RDS Mamirauá. Todas estão aproveitando a pele do pirarucu?

VS: Sim. Todas estão explorando esse novo insumo retirado do peixe. As comunidades que produzem pele hoje ocupam uma parte da RDS Mamirauá, localizada no município de Fonte Boa: Mapurilândia, a própria associação do setor Maiana, Panoã de Cima, Ingaiora, São Francisco da Mangueira e Catite, Jussara, no setor Macopani, Solimões do Meio, e Monte Horebe 

 

JC: Qual o período do manejo do pirarucu na RDS Mamirauá e quantos quilos vocês tiram de pele? Ou quantas peles?

VS: O período do manejo acontece de julho a novembro. Com a forte estiagem acontecida nos últimos dois anos, o manejo tem ido até fevereiro, com autorização do Ibama. Já a quantidade de peles varia de ano para ano. O ano em que retiramos menos ficou entre oito e dez toneladas de pele in natura, ou seja, com toda a escama. Isso dá uma média de 1.000 a 1.200 peles. Ano passado retiramos 1.200, mas já chegamos a retirar 3.000 peles. 

 

JC: Explique o processo de retirada da pele. É fácil aprender? Quanto tempo a pele demora antes de iniciar a deteriorar?

VS: O processo não é muito fácil, não, tanto que já fizemos capacitações com várias pessoas, mas poucas pegaram a forma correta de tirar a pele. Tem que ter muita habilidade e cuidado, porque as peças não podem ser furadas. Quanto à deterioração, depende de como vai estar acondicionado o peixe. Ele não pode passar muito tempo fora do gelo. Se passar das três horas, já começa a perder qualidade. Tem manejador que passa menos de cinco minutos para tirar uma pele, enquanto outros levam dez, doze minutos para fazer o mesmo. Em seguida o peixe vai para o gelo.

 

JC: Após retirada essa pele, os manejadores fazem algum tipo de processo até ela ser enviada para o curtume?

VS: No ano passado fizemos uma capacitação para os manejadores trabalharem o pré-beneficiamento, que seria tirar a escama e deixar só a pele. Foi formado um grupo. Depois eles pegam, enrolam, amarram e a peça vai para o congelamento. Depois entregamos para o frigorífico, ainda congelada. Tudo isso tem que ser feito rapidamente.

  

JC: Pode-se fazer com essa pele qualquer coisa que se faça com a pele de jacaré, por exemplo, ou de bovinos?

VS: Pelas informações que temos, sim, se pode fazer vários acessórios do vestuário, principalmente bolsas, sapatos, cintos, e sandálias. Ainda pode ser usada no estofamento de sofás e estofados.  

 

JC: Além da pele, e da carne, o que mais se aproveita do pirarucu? A língua ainda é uma peça de artesanato?

VS: O pirarucu é um peixe do qual se aproveita tudo, inclusive as vísceras com uma parte sendo consumida pela própria comunidade. Trata-se de uma iguaria bastante apreciada. Nos últimos anos temos aproveitado também a língua, que tem um valor significativo dentro do mercado e a própria escama começa a ser valorizada.

 

JC: Outras RDS também estão fazendo esse aproveitamento da pele do pirarucu? 

VS: Sim. Tem outras RDS que já vêm tentando trabalhar com a pele. Tem o pessoal da RDS Juruá, agora o pessoal do PH Supurus está iniciando o processo. Mas o foco maior continua sendo aqui nessa região de Fonte Boa.

Feiras e vendas online

A FAS apoia as Feiras de Pirarucu, nas quais, em 2023, os pescadores comercializaram 23,7 toneladas de pirarucu, gerando um faturamento de mais de R$ 240,8 mil. A venda beneficiou diretamente 112 manejadores.

Em 2022 a FAS lançou o clube de comercialização por assinatura de pirarucu de manejo sustentável do Amazonas, o Piraruclub. Em um ano de existência, a iniciativa realizou a venda de 4,4 toneladas do pescado, gerando um faturamento de R$ 158 mil e beneficiando 110 famílias manejadoras.

Evaldo Ferreira

é repórter do Jornal do Commercio

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