Cunhado pelo político e historiador amazonense Álvaro Maia, em romance publicado em 1958, o termo “beiradões” designava as margens de rio da Amazônia ribeirinha. Mais tarde, passou a representar também a música que se desenvolvia nos rincões da região por meio das intensas trocas culturais que tinham a beira do rio como principal ponto de difusão.
Influenciado pela música caribenha que soava nas rádios dos países vizinhos e nas embarcações que por eles navegavam, o gênero se desenvolveu a partir de talentos como o do saxofonista amazonense Teixeira de Manaus, que se tornou um dos principais representantes desse gênero tipicamente regional e que teve seu auge na década de 80.
E é sobre o período de ouro deste autêntico gênero musical do Amazonas que trata o documentário “O áureo da música do Beiradão nas rádios manauaras (Difusora e Rio Mar) na década de 80”, de autoria do músico e jornalista Paulo Moura. O filme é resultado de um trabalho de conclusão de curso que teve como referência a dissertação de mestrado do pesquisador Rafael Branquinho, que se dedicou ao estudo da música amazonense.
Na delimitação do tema, Paulo desenvolve o roteiro focando na parceira entre a música do beiradão e as rádios locais, um entrosamento que conquistou gerações de ouvintes e fez a música amazonense ressoar dentro e fora do estado.
Com pouco mais de 50 minutos, o documentário conta com entrevistas com ícones do gênero, como Pinduca, Carlos Santos, Teixeira de Manaus, Chico Caju, Chiquinho David, Oseas da Guitarra, André Amazonas, Magalhães da Guitarra, radialistas como Valdir Correa e Tom Claro, estudiosos do gênero, como os músicos Rosilvado Cordeiro e Eliberto Barroncas e o pesquisador Rafael Norberto, além de ouvintes da época, como Gildomar dos Santos.
“Além disso, o filme conta com fotos, áudios, LPs, documentos e materiais de divulgação dos eventos da época. Também são abordadas as dificuldades que os músicos do beiradão enfrentaram para chegar à mídia radiofônica, relatos de superação do estigma do povo interiorano”, revela Paulo.
O filme pode ser finalizado ao ser contemplado pelo edital, Conexões Culturais – Lei Aldir Blanc, da ManausCult, a Secretaria de Cultura da Prefeitura Municipal de Manaus. De acordo com o idealizador do projeto, o documentário conta com imagens produzidas desde 2015, acervo do pesquisador e peças coletadas em antiquário com apoio do jornalista e professor Aldrim Almeida.
O produtor Ivano Cordeiro percorreu instituições como o Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), visitou artistas e emissoras de rádio a procura de fotos, vídeos, recortes de jornais e revistas da década de 80. O material, grande parte oriundo de acervos particulares, foi selecionado e trabalhado pelo diretor Breno Bigi de forma a recuperar a história das estrelas da música do beiradão nas emissoras de rádio Rio Mar e Difusora.
Ainda segundo Paulo Moura, outro aspecto interessante que diz respeito ao crescimento do gênero musical no Amazonas são as parceiras com rádios e radialistas na década de 80. “São parcerias que uniram forças para difundir e massificar a novidade que animava os ‘arrasta-pés’ do beiradão”, diz ele, confirmando que os radialistas eram os maiores divulgadores e produtores dos músicos.
A música do beiradão
Com influência da cúmbia, lambada, merengue e outros ritmos caribenhos, a música do beiradão nasceu nas festas do interior, cresceu nas rádios e projetou um estilo de música tipicamente amazonense, com característica própria de letras curtas e solos dançantes de guitarra e saxofone.
“A música do beiradão está muito ligada às festividades, à final do campeonato de futebol, à festa sacrossanta, a um comício, um batizado. Na década de 80, ela chegou a disputar a audiência nas rádios com o rock nacional, com o flashback…”, explica Paulo, que também fala sobre a influência dos radialistas Zé Milton, Tom Claro, Paulo Gilberto, Carrapeta, assim como programas que abasteceram as comunidades interioranas, como “Festas e Melodia” e “Recado para o Interior”
Origem e inspiração
Natural de São Gabriel da Cachoeira, no Alto Rio Negro, Paulo é filho de radialista e passou a infância nos anos 90 sob a influência daquele movimento que teve seu auge na década anterior, mas que continuava liderando a preferência dos ouvintes que ligavam para a rádio e pediam para tocar as estrelas dos amazonenses do sax e da guitarrada.
“A música do beiradão povoa meu imaginário desde criança. Minha mãe era radialista, na Radiobrás, e tocava essas músicas em São Gabriel da Cachoeira, que faz fronteira com a Colômbia e a Venezuela. Eu cresci com essa sonoridade. Cheguei, ainda criança, a ver um show do Teixeira de Manaus. Isso sempre povoou minha mente”, diz ele.
O documentarista lembra ainda que a música do beiradão é ligada às festividades do interior e chegou a disputar a audiência dos ouvintes junto a outros gêneros de sucesso da época, como o rock nacional e flashback, mas sempre foi o som preferido dos caboclos e indígenas, segundo conta.
Saiba mais
Com lançamento previsto para o 16 de abril, às 20h, o documentário ficará disponível nas plataformas You Tube e Vimeo, para mais informações acesse às páginas do Facebook e Instagram, sob o título “O áureo da música do Beiradão nas rádios manauaras (Difusora e Rio Mar) na década de 80”.
Saiba mais 2
Com a consolidação do “sotaque” musical amazonense da guitarra e do saxofone na música do beiradão, a música amazonense foi alçada a lugar de destaque no cenário nacional, apadrinhada pelo já famoso cantor, compositor e produtor de carimbó, o paraense Pinduca, além do cantor, compositor e comunicador Carlos Santos. Estas e outras histórias estão presentes no documentário.
Foto/Destaque: Divulgação