O economista e professor Ricardo Arthur de Mattos Pereira do Carmo Ribeiro afirma estar surpreso com a recuperação econômica do Amazonas, em especial de Manaus, nesse momento de pandemia do novo coronavírus, quando praticamente todo o mundo sentiu os impactos negativos da retração por conta das restrições do isolamento social.
Segundo ele, a capital experimentou uma queda brusca, abrupta, das atividades em todos os segmentos econômicos, mas se reergueu rapidamente, uma situação atípica que não se vê em nenhuma outra cidade brasileira.
Para o especialista, o auxílio emergencial do governo federal, a preservação de empregos e empresas, aliados à desvalorização do real frente ao dólar, favorecendo as exportações, foram cruciais para manter o bom fôlego da indústria e do comércio da ZFM (Zona Franca de Manaus).
“O PIM (Polo Industrial de Manaus) representa um percentual significativo de empregos no Amazonas. É esse o grande diferencial que a cidade tem em relação às outras do País”, afirma.
Mesmo como todas as adversidades causadas pela crise na saúde, o economista prevê uma situação melhor em 2021. “As vacinas estão chegando, o que eleva a confiança e as expectativas das bolsas, da indústria e do mundo financeiro. Há grandes chances de experimentarmos um ciclo virtuoso”, acrescenta.
Ricardo Artur não vê o ministro da Economia, Paulo Guedes, como um vilão, que tenta desfechar um golpe mortal contra a ZFM ao defender o fim dos incentivos fiscais. “O time dele (Guedes) quer ver uma Zona Franca modernizada, agregando valor à bioeconomia, seu maior potencial, migrando para a indústria 4.0”, avalia.
O professor é irmão do prefeito Arthur Neto. Nasceu em Manaus, mas vive há mais de 40 anos no Rio de Janeiro. Conviveu de perto com grandes celebridades da área econômica e formou acadêmicos que hoje estão na Suíça, Itália, Portuga, Alemanha e Estados Unidos, atuando como empreendedores de sucesso.
Ele falou com exclusividade ao Jornal do Commercio.
Jornal do Commercio – Como o sr. está vendo Manaus depois dessa pandemia que afetou praticamente a vida econômica em todo o mundo?
Ricardo Arthur – Fiquei surpreso porque as perdas foram muito grandes, mas por incrível que pareça, Manaus, como o resto do Brasil, tiveram um crescimento que nós economistas traduzimos a recuperação para ‘letras’.
O Brasil vinha, desde 2014, com uma recessão técnica de 3,5% naquele ano, depois 3,8% em 2015 e zero por cento em 2016.
Esses três anos de baixo crescimento tiveram implicações futuras, impactando negativamente em 2016, 2017 e 2018. E, quando o Brasil estava tentando se levantar, veio a pandemia, uma queda em ‘V’, brusca.
Outras cidades e outros países ainda vivenciam um processo de estagnação, com pouco crescimento ‘U’.
Ao contrário, Manaus avançou na recuperação, registrando um bom crescimento em ‘U’. O único setor que não cresceu na capital, como também no resto do País, foi o setor de serviços. Com o isolamento, as pessoas deixaram de ir ao cinema, à manicure, cortar o cabelo etc.
Com isso, nada funciona, as empresas demitem e a indústria também, porque não há demandas, novos pedidos. É um ciclo vicioso. Manaus tem uma situação atípica. Foi a primeira a reabrir shoppings, comércio. E isso tudo trouxe benefícios. O Amazonas registra a melhor média nacional nessa questão.
JC – Vivemos ainda uma situação de pandemia. Acabamos de ter uma eleição que renovou quase 50% da Câmara. Política e economia andam muito próximas. Como avalia as perspectivas para o próximo ano?
Ricardo Arthur – As perspectivas são boas. Tenho quase certeza que essa pandemia vai passar com a sinalização de que virá um antídoto, uma vacina.
As bolsas já estão se recuperando no mundo quando se fala em vacina com 95% de eficácia. Então, a tendência é termos um ciclo virtuoso em 2021, ao contrário deste ano, que registra um ciclo vicioso, prejudicando todas as atividades econômicas.
Não vendendo, o dono da loja demite o funcionário, não faz encomenda e a indústria sente os impactos, com a queda nos pedidos, gerando o que chamamos de crise recessiva. A pior ocorreu nos anos 2014, 2015 e 2016.
A minha esperança é que, em 2021, os empregos voltem. Os juros estão baixos, a inflação oficial está controlada, o IPCA se mantém em 3% ao ano há 13 meses, a taxa básica Selic está em 2%.
Então, com a volta à normalidade, acho que a tendência é que, não só o Brasil como também os outros países, experimentarão um ciclo virtuoso na economia.
O Brasil está dando mostras de um crescimento. É só a vacina sair e o setor de serviços vai deslanchar.
JC – A que o sr. atribui essa recuperação em ‘V’ do Amazonas e de Manaus, especificamente?
Ricardo Arthur –O auxílio emergencial, o programa de preservação de empregos e empresas ajudaram o Amazonas e outros Estados. Isso foi fundamental para alavancar a economia.
Manaus fechou as atividades, mas houve uma retomada rápida. Lembro que os restaurantes e shoppings estavam fechados no Rio, São Paulo, mas a capital do Amazonas abriu mais cedo. Isso tudo gera ISS, novos tributos, taxas, rendas.
O PIM é fundamental para a economia da cidade e representa um percentual significativo de empregos.
As atividades retomaram porque as exportações foram favorecidas pela desvalorização do real frente ao dólar, possibilitando um bom faturamento à Zona Franca. Isso tudo explica a diferença de Manaus em relação às outras cidades brasileiras. É impressionante.
JC – Desde a eleição do presidente Jair Bolsonaro, o Amazonas convive com o fantasma emblemático do ministro da Economia, Paulo Guedes, que defende o fim dos incentivos fiscais. Como avalia essas declarações?
Ricardo Arthur – O time econômico do Paulo Guedes não foi totalmente formado pela FGV, mas eles têm um pensamento bastante moderno em termos de economia. Podem ser só declarações bombásticas, eivadas de ‘tintas’ (rss).
Acho que o Paulo Guedes está mais preocupado com uma dívida pública de 78%, que se agravou com a concessão do auxílio emergencial.
Ele quer modernização, como não continuar produzindo a mesma motocicleta dos anos 1970 até hoje na Zona Franca. Quer ver a bioeconomia prevalecendo no Amazonas que tem grande potencialidade, que nenhum outro país tem.
Enfim, quer acabar com essa acomodação das empresas que não se modernizam e não pensam na indústria 4.0. Se a indústria atender a todas essas exigências, o time de Brasília vai para de incomodar o Amazonas.
O atual superintendente da Suframa vem investindo muito nesse novo viés de desenvolvimento, como defende o pessoal de Brasília, pautado na figura do ministro Paulo Guedes.
O governo sabe que a ZFM tem muitos incentivos, mas gera muito mais tributos do que recebe. As empresas precisam se modernizar com base na nova tecnologia da indústria 4.0.
JC – Como é sua visão, hoje, do Rio de Janeiro, que foi bombardeada por pelo menos cinco gestões malsucedidas. A cidade continua ainda maravilhosa….?
Ricardo Arthur – A natureza do Rio continua resistindo, mas está bastante deteriorada por questões políticas. Os últimos cinco governadores tiveram problemas e adicionaram outros.
A corrupção agravou a situação. A crise que veio com a Lava Jato impactou muito. Os royalties do petróleo não foram convertidos em benefícios. Isso tudo teve um reflexo na economia e nos setores sociais.
Jovens perderam os empregos e passaram a ser aliciados pelo tráfico, agravando a situação de violência. Aumentou a prostituição, a marginalidade também. Mas o Cristo Redentor continua aí para proteger a cidade.
Temos boas perspectivas para 2021. Vamos esperar pelas ações do novo prefeito eleito. Torço para dar certo.
JC – O sr. acumula uma larga experiência como economista, professor e consultor. Deixou algum legado nessas atividades, tem algum aluno que manifestou orgulho de ter passado por suas aulas na academia?
Ricardo Arthur – Dou aulas há quase quatro décadas. Formei muita gente que se tornou dirigente de instituições financeiras do mercado tradicional, mercado financeiro, corretoras, área de turismo, hotelaria, empreendedorismo, pessoas que fizeram suas próprias empresas.
Quando via lojas fechadas no Rio, lá estavam meus alunos empreendedores. Eu ficava muito triste com isso. Dei realmente aula em quase todo o Rio de Janeiro
Tive alunos que foram para a Suíça, Itália, Portugal, Alemanha, Estados Unidos. Isso me conforta muito.
Certa vez, nessa pandemia, saí pra comprar um remédio numa rua do Rio. Alguém passou de bicicleta e gritou ‘oi, mestre’. Respondi ‘você me conhece?´. E ele disse ‘claro, mestre, você me reprovou cinco vezes’ (rss).
JC – E, agora, continua como consultor….?
Ricardo Arthur – Sim, continuo fazendo consultorias sobre aplicações financeiras, fazendo palestras etc. Essa é minha vida. Temos que pensar nisso, ter esse hábito. A inflação come os recursos, diminui o poder de compra, mas existe um leque de alternativas para que se ganhe em termos reais, até acima da inflação.
Tive um professor na FGV que me perguntou ‘Ricardo Arthur, você prefere perder 10 reais ou achar?”. Aí eu respondi ‘achar’. Então, você vai achando, achando, com juros reais, e daqui a pouco está com uma boa poupança.
JC – É defensor da ideia de levar isso para as escolas….?
Ricardo Arthur – Com certeza. Sou a favor, além do português, de dar aulas iniciais de matemática simples, juro compostos, desde cedo. E aí você forma uma reserva para as situações de tempestades.