A onda de calor que se abateu em todo o país nos últimos dias pode produzir efeitos pontuais positivos na atividade econômica do Amazonas, como aquecimento de vendas de ventiladores e condicionadores de ar. Mas, a conclusão de lideranças classistas do Estado ouvidas pela reportagem do Jornal do Commercio é que, dependendo do setor, o aumento da temperatura média pode diminuir o desempenho no trabalho, ou mesmo não gerar efeitos significativos, em virtude de sua curta duração prevista. Os empresários manifestam maior preocupação em relação à vazante atípica, que tende a produzir impactos negativos mais duradouros.
Segundo projeções do Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia), o fenômeno teria chegado ao seu auge no último fim de semana, e já começou a perder força ao final desta terça (26). No domingo (24), quatro capitais bateram recordes de temperatura em 2023: Rio de Janeiro (39,9ºC), Belo Horizonte (37,1ºC), Curitiba (33,1º) e São Paulo (36,5ºC). Cuiabá foi a capital mais quente (40,6ºC) e outras oito tiveram temperaturas acima de 37ºC – incluindo Manaus.
Até quinta (28), nove capitais podem registrar recordes de temperatura no ano. Na segunda (25), foram Brasília (35ºC) e Palmas (40ºC). Na terça (26), foi a vez de Cuiabá (43ºC), Campo Grande (39ºC) e Goiânia (39ºC). Já na quarta (27), Belo Horizonte (38ºC), Vitória (37ºC) e São Luís (34ºC) encabeçam a lista. Na quinta (28), deve ser a vez de Aracaju (32ºC). Conforme o Inmet, o que provoca a onda de calor é um bloqueio atmosférico, que prejudica a formação de chuvas e facilita o aumento da temperatura.
De acordo com o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), o aumento de temperaturas está gerando mais consumo de energia. Em relatório divulgado na última sexta-feira (22), o operador estimou um aumento de 5,8% do consumo de energia em setembro, a maior projeção dos últimos meses. O aumento mais expressivo é no Norte, com 10,6% de crescimento, comparado com o mesmo mês do ano passado. Na região, a situação é relacionada também à retomada da atividade econômica.
Rendimento menor
Embora lembre que a entidade não tem dados oficiais a respeito da questão, o presidente do Sinduscon-AM, Frank Souza, informa que o aumento das temperaturas exige maior fornecimento de água nos canteiros obras do Amazonas, além de uma série de “condições de melhoria” no ambiente de trabalho. O dirigente avalia também que isso tende a piorar o desempenho da mão de obra do Estado.
“Em tempos normais, já temos um rendimento profissional por metro quadrado de assentamento/produção de 20% a 30% abaixo da média registrada no Sul/Sudeste, devido justamente às diferenças de temperatura. Com esse agravamento climático, e até pelo impacto sanitário dessas queimadas, acho que a gente passa a ter uma diferença maior, de 35%, além de uma diminuição no rendimento do trabalhador. E isso faz com que a gente tenha um tempo maior de entrega nas obras”, estimou.
Em constraste, o presidente da Fieam, Antonio Silva, pontua que o período atual já costuma ser histórica e sazonalmente, de temperaturas mais elevadas na região. O dirigente concorda que os dias recentes têm mostrado níveis de calor mais severo do que os habituais, quando comparado aos registros dos últimos anos. Mas, considera que as alterações são temporárias e não devem surtir efeitos significativos para a indústria.
“É uma surpresa que estejamos observando ondas de calor em todas as regiões do país. O curto período de duração e a previsão tardia desses efeitos, contudo, devem ter implicações diminutas sobre o segmento industrial. Um risco são os problemas que acompanham esse período na região, como o aumento das queimadas e os problemas respiratórios decorrentes dessa situação. Ainda assim, o impacto sobre a força laboral não deve ter proporção significativa”, ponderou.
O presidente da Faea, Muni Lourenço, salienta, por outro lado, que o aumento da temperatura em si não chega a comprometer os trabalhos no campo, porque trabalhadores e produtores rurais do Amazonas já estão, “em regra”, adaptados ao “verão rigoroso” da região. O dirigente também avalia que os impactos da mudança climática se concentram principalmente na “forte estiagem deste ano”, influenciada pelo fenômeno El Niño, que gera efeitos sociais e econômicos negativos no interior do Estado.
“Alguns municípios já estão vivenciando aumento dos preços de alimentos e combustível, o que vem ocorrendo principalmente pela dificuldade logística de transporte fluvial, hoje comprometido pela preocupante redução dos níveis dos rios. A produção rural vem sentindo impactos principalmente pela diminuição do acesso a disponibilidade a água, que é um insumo importante, tanto na agricultura quanto na pecuária. Além disso, há dificuldades em algumas regiões do Estado na chegada de insumos para a atividade rural”, listou.
Fumaça e estiagem
O presidente da assembleia geral da ACA, Ataliba David Antonio Filho, avalia que o aumento de temperatura tende a aquecer as vendas de eletrodomésticos voltados a amenizar o calor, como condicionadores de ar e ventiladores – embora o consumidor tenda a fugir do crédito. O dirigente avalia que a onda de calor pode gerar transtornos à saúde dos colaboradores, “eventualmente em alguns pontos da cidade onde prevaleceu a fumaça”, mas destaca que essa não é uma ocorrência constante. Em relação ao fluxo de clientela, o comerciante lembra que a chuva assusta muito mais o comércio.
“Quanto a frequência de consumidores, creio que ela até tem uma significativa alta, pois o clima permite a livre circulação dos consumidores sem restrições. O verão embora mais intenso permite um avanço em todos os segmentos. Na construção civil, tende a acelerar as obras, principalmente as externas. É o caso das pinturas exteriores, reformas de fachadas e serviços externos em geral, que repercutem no segmento comercial de material de construção. Em meio a todas as críticas a mudanças climáticas o mercado responde de maneira positiva nas vendas de varejo”, amenizou.
Na mesma linha, o presidente em exercício da Fecomercio-AM, Aderson Frota, concorda que a onda de calor excessivo gera efeitos negativos para a atividade, pois a temperatura “está realmente em níveis bastante elevados”. Mas, prefere não entrar em detalhes sobre esse aspecto, ao ressaltar que o que mais incomoda e preocupa o setor em termos de mudanças climáticas é “o baixo calado dos rios”.
“Isso tem criado vários problemas de abastecimento. Os armadores já sinalizaram e os operadores já estão sinalizando na revisão de preços de fretes. Vamos ter mais um momento difícil e, com certeza, com consequências de aumentos de preços. No interior do Estado, quase 60 municípios estão com problemas de estiagem e sem rio para navegar. Por outro lado, o modal rodo-fluvial, que teria o rio Madeira como caminho mais rápido para Manaus, tem um leito muito móvel em seus bancos de areia”, finalizou.