14 de setembro de 2024

Endividamento e inadimplência dos manauaras voltam a crescer em fevereiro

A taxa de endividamento dos consumidores de Manaus voltou a escalar em fevereiro, apesar da alta nas intenções de compras. Ao menos 576.674 famílias tinham dívidas a vencer, o equivalente a 88,4% do total. É um patamar bem maior do que os de janeiro de 2023 (85,2% e 555.286) e de fevereiro de 2022 (67% e 430.989), contribuindo para um cenário mais grave na capital do que na média brasileira. O nível de comprometimento de renda entre as famílias mais pobres e as mais ricas está praticamente empatado, e os principais indutores de endividamento ainda são os cartões de crédito e carnês. 

A inadimplência também avançou com mais força do que no restante do país, saltando de 45,4% (296.112) para 49,5% (323.215), entre um mês e outro, com predominância dos mais ricos. Há um ano, com taxas de inflação e de juros mais amenas, a fatia não passava de 29,7% (190.213). O problema é ainda maior para as 22,5% (147.047) de famílias já sem condições de pagar contas, em um cenário que piorou nas duas comparações. É o que revelam os dados da Peic (Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor) da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo).

A piora contrasta com os dados mais recentes do ICF (Intenção de Consumo das Famílias), da mesma entidade. Apurado pela mesma entidade, o indicador escalou em todas as comparações, na sexta alta consecutiva, sustentada pela melhora na percepção sobre renda, emprego e acesso ao crédito, embora o manauense tenha reduzido sua disposição de adquirir bens duráveis. O contraste entre intenção e capacidade de comprar, por outro lado fez o otimismo do setor arrefecer pelo segundo mês seguido, conforme o ICEC (Índice de Confiança do Empresário do Comércio), também medido pela CNC.

Na média nacional, o endividamento voltou a acelerar, após dois meses de queda. Segundo a CNC, 78,3% das famílias brasileiras estavam penduradas em meios de pagamentos diversos, em fevereiro. Houve alta em relação a janeiro (78%) e na comparação com o mesmo mês de 2022 (76,6%). A fatia de inadimplentes estagnou na variação mensal, em 29,8%, embora tenha se mantido acima do dado de 12 meses atrás (27%). O mesmo ocorreu com a parcela de consumidores sem fôlego para quitar débitos financeiros (11,6%).

Cartões e carnês

O cartão de crédito voltou a reduzir sua participação no bolo das dívidas de Manaus, mas continua sendo fator predominante no endividamento. Considerado o meio de pagamento mais caro em todo o país, o cartão respondeu por 63,7% das dívidas locais de janeiro – contra os 68,1% anteriores. A predominância é das famílias de maior renda (73,5%). Segundo a Anefac (Associação Nacional de Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade), os juros da modalidade já estão em 14,58%, ao mês, e 412,04%, ao ano. 

Os carnês, por outro lado, progrediram na preferência do consumidor e já correspondem a 53,2% dos débitos das famílias de Manaus, sendo mais impulsionados pelos que recebem menos (53,5%). Na sequência estão o crédito pessoal (13%), “outras dívidas” (11,1%), financiamento de carro (6,9%), crédito consignado, (5,7%), financiamento de casa (3,7%) e cheque especial (3,4%) – que é a segunda modalidade mais cara. Invenção brasileira, e de uso exclusivo dos mais pobres, o cheque pré-datado pontuou 0,6%.

Além do aumento na proporção dos manauenses em dificuldades, houve piora qualitativa no perfil de endividamento. A fatia dos “muito endividados” subiu para 19,3%, sendo que famílias com renda superior a dez salários mínimos mensais estão acima dessa média (19,8%). A maioria dos “pouco endividados” (48,3%) aumentou, sendo que esta situação já é mais comum entre os consumidores de vencimentos mais baixos (49%). Em seguida estão os “mais ou menos endividados” (20,9%).

Em média, as famílias de Manaus devem levar 34 semanas para quitar todas as suas dívidas – em dado mais elevado do que o dos meses anteriores. Predominam os consumidores que esperam levar mais de um ano (38,5%), com um virtual empate dos grupos ‘pendurados’ de 6 meses a um ano (20,6%) e entre 3 e 6 meses (20,2%). O nível médio de comprometimento de renda com dívidas estagnou em 36,9%. Mas, 40,7% dos consumidores locais gastam mais da metade de seus rendimentos com esse fim, sendo superados apenas pelos que consomem de 11% a 50% da renda (49,5%).

Mais da metade dos endividados (56%) está com contas atrasadas, e o percentual segue maior entre as famílias com ganhos acima dos dez mínimos mensais (61,8%). Apenas 21,2% garantem que conseguirão quitar o compromisso integralmente no próximo mês. Outros 32,9% estimam que vão pagar apenas parcialmente, e 45,5% assumem que vão seguir devendo. Em média, as dívidas estão atrasadas há 61 dias. A maioria (51,9%) deve entre 30 e 90 dias, ao passo que 29,8% estão nessa situação há mais de 90 dias. 

Juros e sazonalidade

O presidente em exercício da Fecomercio-AM (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado do Amazonas), Aderson Frota, considera que o consumidor está mais cauteloso e “interditado” nas compras, em função do aumento dos juros. “Tivemos uma migração para os carnês das empresas, que oferecem juros menores, negociam e tratam o consumidor com mais humanidade. Começamos o ano com resquícios das dificuldades de 2022, mas a inflação já não está tão galopante. A economia está se reinventando e temos um princípio de recuperação no nível de negócios, o que nos deixa mais otimistas”, ponderou, destacando que a reforma Tributária traz preocupações. 

Texto distribuído pela assessoria de imprensa da CNC aponta que o nível de endividamento brasileiro vinha apontando perda de fôlego desde o quarto trimestre de 2022, mas avançou em fevereiro pela sazonalidade, com vencimento de despesas típicas do primeiro trimestre, a exemplo de tributos, despesas escolares, contribuições para órgãos de classe, entre outras. “O consumidor sente melhora da renda disponível, fruto da evolução positiva do mercado de trabalho e da inflação mais baixa”, contrastou o presidente da CNC, José Roberto Tadros, ao apontar a estabilidade no indicador de inadimplência. 

Mulheres endividadas

No mesmo texto da CNC, a economista responsável pela pesquisa, Izis Ferreira, assinala que as estatísticas de endividamento (79,5%) e inadimplência (30,3%) seguem acima da média para as mulheres, em razão da “situação mais espinhosa” para elas. “Somos proporcionalmente mais numerosas na sociedade, mas menos participativas no emprego formal, por exemplo. Há maior predominância da mulher na informalidade, e isso traz maior vulnerabilidade para a renda”, explicou.

A economista acrescenta ainda que cabe cada vez mais às mulheres o sustento das famílias. “Temos grande número de lares brasileiros chefiados por mulheres, que têm mais compromissos para custear. Optamos pelas modalidades mais fáceis, como o cartão de crédito, que também é a mais cara do mercado, porque ajuda a esticar o orçamento do mês”, analisou. “Por isso, é tão importante qualquer iniciativa que leve às mulheres maior conscientização e capacitação para gerir melhor as finanças domésticas”, concluiu.

Marco Dassori

É repórter do Jornal do Commercio

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