21 de novembro de 2024

Existe champagne brasileiro? Claro que existe! Há mais de cem anos

“TODO CHAMPANHE É ESPUMANTE, MAS NEM TODO ESPUMANTE É CHAMPANHE” 

O título do artigo de hoje meus caros leitores é para surpreender. Espero conseguir. Levo essa notícia ao conhecimento de muitos degustadores e curiosos com muita satisfação por considerar esse acontecimento como histórico e determinante para a indústria de vinhos finos no Brasil. Creio ser também uma revelação sobre uma delícia bem brasileira que muita gente desconhece apesar de ser pública e notória há muito tempo. Normal. 

Está sabendo que existe um vinho espumante produzido no nosso pais por uma vinícola com mais de 100 anos de tradição, a VINICOLA PETERLONGO, em Garibaldi, no Rio Grande do Sul, legalmente considerado como champagne,  que carrega essa referência estampada no rótulo?  Pois é, a Vinicola Peterlongo é a única vinícola no Brasil que tem o direito garantido por lei de chamar de champagne o espumante premium que produz. Atentem para o detalhe: isso fora da Região de Champagne na França. Não é uma notícia fabulosa?

Vamos então tratar os fatos que levaram à tudo isso. A história da Vinícola Perterlongo se mistura com a história da colonização dos imigrantes italianos no sul do pais. O revolucionário imigrante italiano e agrimensor Manoel Peterlongo chegou à região hoje conhecida como Serra Gaúcha, e foi trabalhar medindo e demarcando terras. Acabou, por causa da sua atividade profissional, conhecendo todo mundo.

O italianíssimo Manoel foi um enófilo apaixonada por espumantes que tinha conhecimento dos métodos para produção da bebida. Resolveu se tornar produtor e partiu então para incentivar os agricultores a cultivar variedades brancas finas, matéria prima que ele precisava para dar início a produção do nobre fermentado no porão da sua casa. Utilizou para realizar o seu sonho os mesmos processos de elaboração praticados na Região de Champagne na França. 

No ano de 1913 aconteceu a primeira Exposição de Uvas de Garibaldi, e Manoel Peterlongo faturou a medalha de ouro pela espumante “Moscato Typo Champagne“. Essa premiação é considerada o primeiro registro oficial de um champagne elaborado no Brasil. 

Este evento comentado em todas as propriedades fez de Manoel Peterlongo uma celebridade instantânea. A demanda explodiu e naturalmente ele ficou conhecido como um empresário confiável e bem-sucedido. Mas o melhor ainda estava por vir. Depois que o filho Armando Peterlongo homem de grande visão empresarial assumiu a direção dos negócios, a revolução vitícola iniciada por Manoel evoluiu ainda mais. Ele agregou modernização aos processos da empresa e construiu, para dar destaque à propriedade, um casarão para servir como sede da vinícola que lembra um castelo europeu. 

O champagne brasileiro tornou-se a estrela que iluminou os ambientes marcados pela elegância, charme e a mais pura sofisticação. O Presidente Getúlio Vargas, um gaúcho seguidor das tradições locais, foi amigo de Armando, mesmo antes de se tornar o presidente da república, e quando assumiu o governo determinou que o espumante da Peterlongo fosse servido em banquetes de todos os eventos oficiais do governo. 

Orientado pelo sucesso nas vendas, focado em promover ainda mais os vinhos da Peterlongo, em 1938 Armando lançou de forma pioneira, um livro explicativo sobre a história dos espumantes, e a elaboração desde a colheita até o engarrafamento do nobre fermentado. Como resultado imediato, o Champagne Peterlongo passou a ser ainda mais conhecido, admirado e consumido. Foi a primeira publicação enológica voltada exclusivamente a referenciar os espumantes no Brasil.

 Em 1942 o champagne brasileiro do Manoel italiano, conquistou o mercado internacional e até a Rainha Elizabeth II em sua visita ao Brasil degustou o famoso champagne da Peterlongo.

E agora, o que significa essa máxima de que todo champanhe é espumante, mas nem todo espumante é champanhe?  Meu povo, o que faz de um espumante um champanhe é o método de elaboração, o Método Champenoise, originado na região de Champagne, na França. Neste método a segunda fermentação acontece dentro da própria garrafa. Com o passar do tempo, várias vinícolas brasileiras passaram a utilizar esse método na produção, e hoje podemos escolher para degustar, espumantes de alta qualidade e de diversas marcas nacionais. 

Na década de 20, a região francesa de Champagne iniciou um movimento reivindicando que apenas os vinhos produzidos naquela região fossem denominados de champagne, tornando a área em uma AOC (denominação de origem controlada). Todos os vinhos produzidos fora da França, mesmo pelo método Champenoise, não puderam mais ter essa denominação, passando a ser chamados apenas de espumantes. Várias vinícolas francesas entraram com processo judicial contra vinícolas brasileiras, mas o STF liberou o uso do termo “champagne” para 4 vinícolas no Brasil, uma delas, a Vinícola Peterlongo, pois a produção do espumante se deu bem antes da legislação francesa, seguindo o padrão exigido, e já havia todo um valor agregado ao nome do produto ligado à tradição e história da vinícola. Hoje, a Vinícola Peterlongp continua sendo a única no Brasil a poder utilizar o termo champange no rótulo dos seus espumantes premium. 

Antes que eu me esqueça, as uvas utilizadas para elaboração do champagne são a Pinot Noir, (tinta)  Pinot Meugnier e Chardonnay (brancas). 

Em 2002 a Vinícola Peterlongo mudou de dono, mas continua a ostentar orgulhosamente a palavra champagne nos rótulos, como vem fazendo desde 1913.  

Por último vale ressaltar que a produção de espumantes brasileiros é motivo de grande orgulho da indústria nacional de vinhos finos, e tem obtido merecido reconhecimento através de premiações e medalhas em várias partes do mundo pelo alto e inquestionável padrão de qualidade.

Minha sugestão. Degusta em boa companhia o champagne brasileiro da Peterlongo e depois me diz o que achou.

Minha dica. Os Sucos da Bíblia brasileiros merecem estar mais presentes nas nossas mesas. Vai por mim.

Meu agradecimento pela sugestão para abordagem do tema deste artigo ao enófilo Pedro Stênio, grande conhecedor e apreciador de vinhos nacionais, e secretário “ad aeternum” da revolucionária Confraria Cambada de Edwinelovers Manaus.

Foto/Destaque: Divulgação

Humberto Amorim

Enófilo, curioso, insaciável e infiel apreciador

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