22 de novembro de 2024

Fazer ou não fazer

“O melhor vinho, é aquele que você escolhe, compra, desarrolha, derrama na sua taça e degusta” 

Longe estamos da época em Manaus quando quase ninguém se interessava pelos prazeres do vinho fino. Para minha felicidade, hoje, o número de apreciadores, aprendizes, e curiosos é relevante. Prova disso é a pergunta mais frequente que muitos me fazem sobre o consumo dos Sucos da Bíblia: Gostaria de saber mais. Começo por onde? Noto certa reserva dos amigos que a formulam. É natural, pois vinho, vinho fino, de boa qualidade, não é um produto, digamos, baratinho. Por outro lado, o instinto nos ensina a aprender a dirigir no carro simples da autoescola. Só depois, passados os exames, habilitação na mão, e que nos aventuramos num carro bacana. Ninguém com bom senso começa por uma luxuosa BMW. Concorda comigo?

Saber mais sobre os vinhos é experimenta-los, conhecer todos os seus estilos, compara-los, descobrir as diferenças regionais, variar sempre. Infidelidade no mundo dos vinhos é uma qualidade. E não se faz isso a partir de um Lafite –Rothschild. E como se faz isso? Muito simples meu querido leitor, inicie por um vinho mais simples e mais barato. Fique sabendo que o Lafite é uma Ferrari em termos de vinho tinto. Então tente um tinto simples, que não custe mais do que uns 50,00 reais. Experimente a maior variedade de vinhos possível. Só assim você vai formar uma memória sensorial e descobrir as suas próprias preferencias. Uma coisa eu tenho como certa. Ninguém vai saber mais sobre vinhos se ficar sempre no mesmo Chardonnay ou Merlot, mesmo que goste.

Não tem sentido sofrer por não ter gostado de um vinho que todo mundo fala que é muito bom, bem cotado, a crítica o coloca nas alturas. O negócio é obedecer seus instintos. Vinho, como arte, é subjetivo. Quanto mais você experimenta, mais fica informado. Você nem vai se dar conta que, de repente, está dando opiniões sobre o vinho tal da região y. E opiniões exclusivamente suas, sem fazer eco a críticos ou a opiniões alheias.

É experimentando que você vai descobrir sobre a importância do equilíbrio, da harmonia, num bom vinho. Já que você então está resolvido a experimentar, a seguir seus instintos e a prestar atenção nessa harmonia de elementos, tarefas essas das mais fácies (e prazerosas), então a minha dica é para que comece com os objetos certos. Por exemplo, as taças adequadas. Eu publiquei um quadro dessas taças no artigo da semana passada. Espia lá. Pode até parecer esnobação você com aquelas taças especiais. Mas elas fazem uma senhora diferença: realçam o sabor e aumentam sua apreciação de um vinho. Não precisa começar pelas famosas e centenárias Taças Riedel de cristal. Compre taças boas, que sejam delicadas e sejam suficientemente bojudas. Bojudas até a sua metade, quando começam a afinar em direção às bordas. É um formato que permite que o vinho “respire”, que interaja com o ar, liberando seus aromas e sabores. Pois o vinho, como você já sabe, não foi feito só para ser tomado. Você vai sentir seus vários aromas. Você vai admirar os vários tons de sua cor (é por isso que as taças devem ser completamente transparentes). E só então você vai prova-lo. Gire a taça e aproxime seu nariz da borda. Agora, prove um pouco. Faça com que o vinho percorra toda sua boca (num movimento parecido com o do bochecho). Sua língua tem receptores em diferentes lugares: na ponta, nas bordas, e na parte posterior. Eles vão perceber a doçura (na ponta), a acidez (nas bordas) e o amargor, lá atrás. A acidez vai deixar você com água na boca. Os taninos, comuns em vinhos jovens, vão ter efeito contrário: secarão a sua boca.

É um vinho simples, fácil? Ou é “complexo”, para usar um jargão da área? Complexo é uma qualidade importante: é quando o vinho apresenta várias camadas de sabores, que você descobre a medida que vai provando. É um vinho leve ou um vinho denso? Experimente um Pinot Noir e depois um bom Tannat e saberá imediatamente o que é leveza e densidade. Detalhe de muita importância.  Ninguém é obrigado a beber toda a garrafa. Digamos que você bebeu apenas duas taças. Arrolhe o vinho e guarde-o na parte mais fresca da sua geladeira. Ele aguenta uns três dias sem perder muito. Se passar disso, reserve-o para seus molhos.

Procure conversar com amigos e colegas que também gostem dos sucos da Bíblia. Troque suas experiências com eles. Fique freguês de uma loja de vinhos. O lojista terá sempre novidades e, como você é freguês fiel, fará sempre um precinho mais camarada. Falo de lojas especializadas e não de supermercados. Estes melhoraram incrivelmente as suas ofertas de vinhos. Só que são impessoais. Não existe um “especialista” para atende-lo e apontar rótulos novos ou aqueles vinhos de grande qualidade e baixo preço: a real barganha. Costumam ter nas prateleiras vinhos que vendam rapidamente, na maior parte das vezes. A loja especializada é mais ousada: vai buscar vinhos de regiões ainda não muito conhecidas por nós e sempre tem alguém esbanjando simpatia e dicas no atendimento. O supermercado será, entretanto, muito útil quando você começar a conhecer melhor a matéria e identificar as boas barganhas que estão lá perdidas nas prateleiras. Para começar a aprender sobre vinhos é isso que eu recomendo. 

Agora tem coisas que você definitivamente não deve fazer. Nem o mais experimentado dos profissionais do vinho, um sommelier, por exemplo. Admite que sabe tudo sobre a bebida. Jamais caia no erro daqueles enochatos que se apresentam como sabe-tudo. Com o vinho, quanto mais você aprende, mais sabe que tem muito caminho pela frente. Não entre nessa de falar jargão, falar de fermentação malolática, da oxidação, do retrogosto, do solo calcário do vinho do lado direito de Bordeaux, do aroma de suor de sela de cavalo, etc e tal. Lembre-se que você tem apenas que gostar (ou não) do que está bebendo.Nao de muita bola para algumas regras. Essa história de que vinho tinto só combina com carne vermelha e vinho branco combina com carne branca, não é bem assim. A regra é feita por você. Beba vinho que você gosta com o prato preferido. Não encha a taça até a borda. Sirva apenas um terço do seu volume. A taça tem que deixar espaço para você gira- lá sem que o vinho metralhe quem está em volta. Tem de haver um espaço para que o vinho “respire”, lembra?

Tá vendo? Começar a aprender sobre vinhos é simples. Mas, ao mesmo tempo, complexo. Complexo porque você começa e, se quiser de fato aprender, não termina mais. Não é um curso de um mês, um ano. Você vai sentir o prazer de querer saber cada vez mais sobre esse nobre fermentado. Vai por mim.

Continuem perguntando. Se eu souber a resposta, respondo logo, se não souber, vou procurar saber e respondo depois. 

Foto/Destaque: Divulgação

Humberto Amorim

Enófilo, curioso, insaciável e infiel apreciador

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