14 de setembro de 2024

Fibra da piaçaba que só tem na Amazônia

A piaçaba é mais uma das riquezas amazônicas que pode ser explorada de maneira sustentável beneficiando o morador da floresta

Existem vários tipos de cerdas de vassoura: de palha, de cipó, de pelo, de nylon. Mas só uma é genuinamente amazônica, a vassoura com cerdas de piaçaba. Não confundir com a piaçaba genuína da Bahia, cuja espécie é Attalea funifera. A da Amazônia é a Leopoldinia piassaba.

As fibras de piaçaba surgem da piaçabeira, um tipo de palmeira, e a palavra, de origem tupi, significa ‘planta fibrosa’, devido ao seu caule característico. Essas fibras servem para a cobertura de casas e artesanato, mas principalmente para a confecção de vassouras. Há tempos que se perderam são utilizadas pelos indígenas. No Amazonas, a espécie é abundante na região do médio rio Negro e Barcelos é o maior produtor dessas fibras.

No final do mês passado o governador Wilson Lima, através da ADS (Agência de Desenvolvimento Sustentável) pagou uma subvenção da piaçava a extrativistas da região, no total de R$ 486 mil, beneficiando 161 trabalhadores ligados à Coopiacamarin (Cooperativa dos Piaçabeiros do Médio e Alto rio Negro). Pela subvenção, além do valor pelo qual o produtor de piaçava comercializa seu produto no mercado, ele irá receber mais R$ 0,50 por quilo do produto vendido.

Na vazante fica mais difícil chegar aos locais onde as palmeiras se encontram

Seder Hélio Katznara, presidente da Coopiacamarin

“A comercialização da piaçaba é uma das grandes geradoras de renda para o município de Barcelos, além de também promover trabalho quase o ano inteiro para o povo carente, que vive nas comunidades, gente trabalhadora, gente de bem, que tira seu sustento através dessa fibra tão maravilhosa que nos dá renda há mais de um século”, falou Seder Hélio Katznara, presidente da Coopiacamarin.

A piaçabeira produz fibras o ano inteiro, porém, é mais fácil chegar onde estão as plantações nativas durante a cheia, quando ocorre a maior extração.

“Na vazante fica mais difícil chegar aos locais onde as palmeiras se encontram, ainda assim dá para se coletar alguma coisa”, explicou.

Tradicional e cultural

A Coopiacamarin foi fundada em 2009, por Inalda Batista. Desde 2019, Seder é o presidente da cooperativa. Há mais de doze anos ele é piaçabeiro (quem colhe a piaçaba) e contou que o trabalho não é fácil.

“Os piaçabeiros não moram na cidade de Barcelos. Eles vivem nas comunidades que pertencem ao município, no interior, na divisa, nos igarapés, e são coletores nômades. Cortam as fibras num determinado lugar e quando acaba ali, vão andando mais pra frente até encontrar outra planta com fibras. Detalhe importante: a piaçabeira não é derrubada. O piaçabeiro vai lá, corta o ‘cabelo’ dela, somos tipo os penteadores do mato, e depois de cinco anos a piaçabeira está lá, novamente com fibras, então o piaçabeiro vai lá e corta de novo. Assim é o ciclo da piaçabeira, explorada racionalmente há mais de cem anos aqui nessa região”, revelou.

Seder lembrou que a extração de piaçabas em Barcelos é tradicional e cultural. O comércio existe desde a segunda metade do século 19 quando as fibras integravam as riquezas naturais da região, então exploradas. Com o fim do segundo ciclo da borracha, ocorrido durante a Segunda Guerra, muitos seringueiros continuaram a extrair as fibras, o que continua até os dias de hoje.   

A extração só sofreu um revés há uns cinco anos quando o Ministério Público foi até Barcelos e alegou que o trabalho dos piaçabeiros era escravo, e que precisavam de carteira de trabalho para continuar na extração.

“Aí foi pior. O pessoal que mora nas cabeceiras não tinha como tirar a carteira. Muita gente ficou sem poder trabalhar e chegaram a passar fome. A produção de fibras caiu. Felizmente tudo foi resolvido e se normalizou”, comemorou.

R$ 0,50 a mais

Atualmente a Coopiacamarin reúne 161 afiliados em dia com a cooperativa. Estes vão receber a subvenção no valor de R$ 0,50, o quilo da piaçava.

“Mas no total são mais de 500 cortadores, entre homens e mulheres indígenas, ocorre que os demais não estão legalizados por falta de algum documento, ou porque estão nas cabeceiras dos rios. Nessa primeira etapa, como é o primeiro pagamento da subvenção, conseguimos cadastrar esses 161, que estão documentados, 35 mulheres e o restante, homens, mas o objetivo é cadastrar todos os piaçabeiros”, ressaltou.

Seder contou que até indígenas yanomami, do alto rio Negro, extraem piaçaba.

“Ainda não sabemos quantos são, mas uns 50 são cooperados, vivem da comercialização da piaçaba, recebem seu dinheiro e compram seus alimentos, e ainda coletam e comercializam o cipó titica”, disse.

Atualmente, segundo Seder, três fabriquetas produzem vassouras, em Barcelos, e as vendem para Manaus, mas as fibras in natura são comercializadas para vários locais do país. O presidente da cooperativa comemorou o apoio da ADS, que se comprometeu a ajudá-los com projetos de fábricas de vassouras, bem como o governador prometeu que adquiriria para o Estado alguns milhares de vassouras para distribuição entre as secretarias.

“Estamos documentando a cooperativa para que os piaçabeiros possam receber seus benefícios”, concluiu.

Neste ano, o volume comercializado de fibras de piaçaba foi de 972 mil quilos. Os extrativistas são dos municípios de Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos.

Evaldo Ferreira

é repórter do Jornal do Commercio

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