24 de novembro de 2024

Impactos da seca elevam frete e dificultam logística do Amazonas

A seca atípica deste ano já aumentou os custos dos fretes para o Amazonas. Fontes ouvidas pela reportagem do Jornal do Commercio informam que as transportadoras já promoveram reajustes de 25% a 50%. Diante da constatação de um novo aumento de custos, o setor produtivo amazonense se encontra no dilema de repassar ou não esse acréscimo, em face das oscilações de demanda. O maior temor, no entanto, é dos impactos de um eventual estrangulamento logístico, que produziriam desabastecimento e redução da atividade econômica –justamente quando os empresários se preparam para capitalizar o aquecimento das festas do quarto trimestre.    

A estimativa é que mais de 80% do fluxo de mercadorias de Manaus com o resto do mundo passa pelo modal marítimo ou rodo-fluvial. As rotas de cabotagem partem da capital amazonense, percorrem o rio Amazonas até a costa e levam a carga até portos de Suape (PE), Salvador (BA), Rio de Janeiro (RJ) e Santos (SP), entre outros. Diante da rápida descida dos rios, as transportadoras começaram a restringir reservas e espaços em suas embarcações, além de retomar a ‘taxa de seca’ praticada no ano passado. O ágio varia de R$ 3.000 a R$ 10.000 por contêiner. 

Em matéria veiculada pelo “Jornal Valor Econômico”, o diretor-executivo da Abac (Associação Brasileira de Armadores de Cabotagem), Luis Resano, reforça que o tráfego no rio Amazonas já está com restrições na região da foz do rio Madeira. Navios com 11,5 metros de calado já não conseguem navegar com capacidade total e o tráfego noturno foi bloqueado. O risco é que as embarcações não consigam mais passar pelos trechos críticos do rio. E, além da enseada do rio Madeira, próxima ao município de Itacoatiara, há outro ponto problemático na área do Tabocal.

A Abac calcula que a profundidade do rio pode ficar abaixo dos 8 metros –nível alcançado durante a seca recorde de 2010. “A água está descendo de nível em ritmo muito rápido. No ano passado, a vazão era de 15 centímetros, enquanto neste ano está baixando o dobro, cerca de 31 centímetros por dia. Em 2022, em que a seca não foi tão grave, a perda de capacidade foi de 40%, e agora pode chegar a 60%”, analisou. 

“Oferta e demanda”

O diretor adjunto de Infraestrutura, Transporte e Logística da Fieam, e professor da Ufam, Augusto Cesar Rocha, confirma que as empresas que transportam os manufaturados e insumos do PIM já estão cobrando mais caro. “Pelo que verifiquei, estão cobrando de 25% a 50% a mais. Há um sobrepreço por contêiner, e ele é tipicamente fixo. Mas incide diferentemente, por conta da negociação de cada empresa”, informou.

O dirigente acrescenta que o PIM não deixará de sair perdendo com essa situação, dada a dificuldade de repasse dos aumentos ao atacado e ao consumidor, em virtude das oscilações registradas na demanda nos últimos meses. “Acredito no corte da margem, já que os preços são regulados pela relação entre a oferta e a demanda”, estimou.

Rocha, no entanto, descarta a possibilidade de prejuízos maiores à indústria. “Já há restrições, ainda que pequenas, mas devem aumentar bastante, segundo as projeções. Alguns navios não podem passar completamente carregados, e isso tem levado a troca de embarcações, com menor capacidade ou redução da carga transportada. Contudo, percebo que a maior parte das empresas do PIM se preparou para a seca, aumentando os estoques e usando multimodal (aéreo ou rodoviário como redespachos)”, tranquilizou.

Na mesma linha, o superintendente da Suframa, Bosco Saraiva, garantiu, em entrevista ao Jornal do Amazonas, que a situação está sob controle. “Até o momento, não há fato que leve ao desespero a ponto de haver estrangulamento na passagem de navios. O que há, na verdade, é que as embarcações estão dividindo cargas, que continuam chegando a seus destinos. A Suframa está atenta e acompanhando, juntamente com as associações de classe, com as empresas e fábricas do Distrito, de uma forma geral”, amenizou.

“Grandes problemas”

Para a indústria, o problema logístico chega no pior momento possível, já que o PIM se prepara para atender a demanda das festas de fim de ano. O presidente da Fieam, Antonio Silva, não entrou em detalhes sobre os impactos do aumento dos fretes nos custos e preços da indústria. Mas, destacou que, apesar das medidas de contenção promovidas pelo setor e pelas transportadoras, a vazante tende a ser um foco de preocupações ainda maiores para o Polo Industrial de Manaus, caso o nível dos rios sofra redução ainda maior, nos próximos dias e meses. 

“Hoje, as empresas transportadoras do modal marítimo e rodo-fluvial estão diminuindo a carga para que as embarcações possam ter um menor calado, para propiciar melhores condições de navegabilidade. Mas, se a coisa continuar, aí sim, teremos grandes problemas. Até porque não temos outra alternativa, a não ser o modal aéreo, haja vista que a nossa BR-319 não foi liberada até hoje. É um absurdo não termos uma comunicação via terrestre para os demais Estados brasileiros”, desabafou.   

Prazos e custos

O presidente do Sinduscon-AM, Frank Souza, aponta que todas as transportadoras já enviaram comunicados confirmando que o preço do frete já está em torno de 30% mais caro. O executivo estima que o aumento do custo dos fretes vai se refletir no custo dos materiais de construção civil e, consequentemente, no valor do metro quadrado dos imóveis de Manaus. Ele calcula que esse acréscimo será de 5% a 10%, mas frisa que essa influência tende a ser maior conforme a fase de acabamento da obra. “O material mineral, como areia, seixo, e até cimento, a gente traz aqui de perto. Mas, se considerar cerâmicas, aço e outros materiais sai mais caro”, comparou.

O dirigente considera que ainda é prematuro dizer se a seca deste ano vai impactar na dilatação de prazos para entrega de obras no Amazonas. “Quem ainda tiver de aguardar a entrega de materiais, vai sofrer atrasos. Acho que estamos falando aí em três meses, que é um período previsto nos contratos, por conta desses casos fortuitos. O que se espera é que essa seca não demore muito, porque toda vez que isso acontece, afeta os prazos e os custos das empresas”, lamentou.  

O vice-presidente da ACA, Paulo Couto, confirma que a seca está gerando atrasos nas remessas de produtos, e que isso ocorre principalmente no caso de mercadorias que vêm do interior. Sem mencionar números, o dirigente acrescenta que há também um aumento de custos de transporte pela diminuição da capacidade e lentidão no tráfego fluvial, “atingindo preponderantemente os produtos hortifrutigranjeiros”.

“Existem, sim, alguns registros de comerciantes relativos a esta causa. Os empresários que operam com estes produtos e respectivas procedências, evidentemente, repassam os aumentos aos consumidores. E isso pode refletir em menor rentabilidade, para evitar grande retração nas vendas. Este é um fenômeno sazonal, com o qual o amazonense convive rotineiramente, salvo algum período mais gravoso a vida continua. Mas, penso que o comerciante não ampliaria estoque, pois a baixa demanda não estimula o risco”, finalizou.

Marco Dassori

É repórter do Jornal do Commercio

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