Responsabilidade social no marketing de influência se torna tema de debate e levanta questões sobre a credibilidade do que é divulgado na internet.
Que responsabilidade social têm os influenciadores e as marcas nas parcerias comerciais?
É obrigação do influenciador saber o que está promovendo, responsabilidade do consumidor ficar atento às propagandas, ou compromisso da marca fornecer produtos e serviços que cumpram o que prometem?
O tema ainda é muito novo e gera inúmeros debates.
As mudanças das opiniões das “pessoas comuns” sobre os influenciadores impactam muito o funcionamento da lógica desse tipo de atividade, e ainda não se sabe muito bem qual rumo esse segmento publicitário (se é que se pode resumir o tema dessa forma) irá tomar.
A Revelação
No começo da era da influência, as coisas eram um tanto diferentes do que são agora.
Acreditava-se que tudo era orgânico e natural, e que se uma blogueira ou um youtuber estavam em ascensão no universo digital, era porque as pessoas estavam nutrindo admiração por suas personalidades e seus conteúdos compartilhados no feed.
Hoje, já se sabe que é possível pagar por esse engajamento, comprar visualizações reels, likes, compartilhamentos, comentários e, claro, seguidores.
Esse tipo de conhecimento traz à tona o quanto é de extrema importância que as informações sejam validadas e verificadas pelo público que consome os conteúdos de influência.
Muitas vezes, um dito “especialista” em algum tema, com um perfil calibrado de seguidores, nada mais fez do que a compra da grande maioria de seus “followers”.
Do Luxo Ao Cancelamento
Antes da pandemia, qualquer influenciadora que desejasse bombar suas fotos no Instagram, poderia usar, como artifício, a composição de um “look” com itens de luxo como uma bolsa Chanel original, uma Gucci ou uma Prada.
Despertar a cobiça e o desejo das pessoas sempre funcionou como estratégia de marketing, e nas mídias sociais não seria diferente.
Frequentar festas badaladas, com direito a garrafas que soltam fogos e drinks que acendem, era exatamente o que fazia com que os influencers digitais faturassem altas cifras com publicidade.
Quando a Covid se espalhou pelo mundo, o comportamento dos seguidores mudou.
A ostentação deixou de ser algo admirável e passou a ser motivo de “cancelamento”.
Naquele momento, ser uma boa influência era, justamente, apreciar as coisas simples da vida, a saúde das pessoas amadas e valorizar a família.
O consumo de luxo perdeu força.
Agora, no início de 2023, pode-se perceber que a ostentação voltou a ser um padrão muito comum nas postagens de grandes influencers, e a maioria dos comentários nos feeds dos “ostentadores” são muito positivos. Isso, no entanto, não impede que haja cada vez mais engajamento dos haters nas publicações das “celebridades”.
Da Educação Financeira À Decadência Trader
Assim como o movimento que aconteceu no mercado da ostentação, também houve uma montanha russa no universo da educação financeira.
De 2015 para cá, houve um boom de influencers ensinando sobre como investir em letras de crédito, tesouro direito, bolsa de valores, criptomoedas, e outras formas de melhorar o padrão de vida através dos estudos de economia simples.
Conforme os assuntos foram se tornando mais presentes no cotidiano do público das redes, começaram a surgir dezenas (ou centenas) de infoprodutos, cursos e palestras de coachings incentivando pessoas comuns a iniciarem atividades de traders na bolsa de valores e diversas outras operações arriscadas, com promessas quase inalcançáveis de lucros e rendimentos, com o famoso “só depende de você” mascarando a isenção de qualquer tipo de responsabilidade sobre a influência exercida.
O tema virou matéria no Fantástico e em outros jornais de grande repercussão e, de repente, muitos dos influencers considerados “coachings” viram seus poderes de angariar parceiros e patrocinadores, desabarem.
A roda girou.
Lifestyle Descolado x Consciência Ecológica
Ainda dentro das contradições inumeráveis que fazem o universo dos influencers passarem por diversos momentos de glórias e cancelamentos, há as oscilações entre o consumo desenfreado e a divulgação de uma consciência ambiental e ecológica elevada.
A contradição é evidente, e o público vai e volta em suas opiniões como se estivesse dentro de um barco em um mar revolto. Depende, na maioria das vezes, de quem é que está se manifestando sobre um tema “x” ou “y”.
Em 2019 houve uma onda de celebridades e influencers divulgando que se tornaram adeptos da energia solar em suas residências.
No caso deles, não se tratava de dizer ao público que estavam fazendo economia financeira, até porque, no universo das “celebs”, muitas coisas envolvem “poder pagar”, “poder comprar”, “poder…”.
A finalidade é aumentar o faturamento, e fazer isso com produtos e serviços que abracem a pauta ecológica, retroalimenta a imagem do influenciador, mas quando o comportamento não é legítimo, a imagem sai muito machucada da equação.
A mensagem transmitida nas “publis” é, quase sempre, algo como “Vamos cuidar do meio ambiente, poupar nossos recursos naturais, etc”.
No dia seguinte, não é incomum que o mesmo influencer publique fotos e vídeos hospedado em um hotel ou resort construído em Área de Preservação Permanente, onde a vegetação não poderia ser modificada e, muito menos, removida.
Cercado de verde, as hashtags ainda citam coisas como “#natureza” ou “#eco”, entre outras contradições, já que o cenário ideal era que hospedagens desse tipo nem mesmo existissem.
Em casos como esses, o cancelamento vem mais devagar, pois nem todos os usuários das redes tem tanto conhecimento relacionado à ecologia ou à preservação do meio ambiente, mas o perfil contraditório aos poucos é identificado e, com o tempo, pode se tornar alvo de mais uma temporada de “cancelamentos”.
Além disso, há o risco constante de um especialista identificar alguma discrepância entre o que se prega e o que se faz, e o influencer precisar lidar com uma avalanche de críticas.
O fantasma está sempre por ali.
Vida Saudável?
Uma polêmica recente envolvendo uma blogueira fitness famosa, levou muita gente a questionar a idoneidade dos influenciadores.
No feed, muitas fotos de uma barriga definida e contornada foram postadas depois de meses de publicações sobre exercícios físicos, dietas, rotinas bem estruturadas, jejum e meditação.
Sob um rolar de dedos, inúmeras publicações, com os mais variados contextos:
Fotos e Stories na academia, depois de tomar o Shake X e calçar o tênis Y.
Poucas horas depois, no mesmo feed, uma festa em “família” com muita carne assada e cerveja, com tudo sobre os itens de churrasco sendo devidamente descritos (e elogiados aos montes) na publicação que, muitas vezes, nem é sinalizada como publicidade.
À noite, um ritual de beleza digno de SPA e um livro célebre ao lado da cama.
Tudo dando a entender que qualquer pessoa comum poderia obter um corpo bem cuidado e saudável, sem precisar abdicar dos prazeres de uma vida normal e de uma mente em evolução.
Até que surge a informação de que a blogueira em questão havia passado por diversos procedimentos cirúrgicos (como lipoaspiração, remoção de papada, enxerto nas nádegas e silicone) para chegar ao corpo perfeito, vendido como fruto de shakes da marca 1, exercícios na academia da marca 2, massagens modeladoras da marca 3 e dietas elaboradas pela nutricionista da marca 4.
A chuva de críticas, o cancelamento, as matérias em jornais, a perda de contratos publicitários e diversos outros impactos na própria imagem são o preço pago por quem se usa como vitrine e vende algo que não pode ser tratado como real.
Vale a pena?
Responsabilidade Individual
Cabe a cada influenciador decidir como construir sua própria marca. O que postar, o que anunciar e como produzir conteúdo comercial. É seu direito ter suas próprias opiniões,conceitos sobre moral e ética e ideologias políticas.
As marcas têm o direito de escolher não vincular seus produtos a certas personalidades.
E, por fim, o usuário das mídias também tem o direito de não consumir o material produzido por quem quer que seja.
Tudo muito democrático, mas isso não isenta ninguém das responsabilidades éticas, morais e legais que envolvem a publicidade como um todo, ou o marketing de influência, isoladamente.
Influenciadores, marcas e agências por trás das campanhas têm a responsabilidade de garantir que o resultado final da parceria seja algo de que possam se orgulhar, e que suas atividades e sonhos não estejam impactando negativamente as atividades nem os sonhos de ninguém. Trata-se de uma lógica empática. E tudo que fuja disso, não deve perdurar por muito tempo.