13 de setembro de 2024

Isenção formal de compras online sinaliza perda de empregos na indústria e no comércio

O setor produtivo pode perder 2.500 empregos neste ano, com a isenção tributária para compras internacionais de até US$ 50. A medida começa a vigorar a partir de 1º de agosto. O alerta foi dado na semana passada, pelos presidentes do IDV (Instituto para o Desenvolvimento do Varejo) e da CNI (Confederação Nacional da Indústria), Robson Andrade, durante reunião com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. A estimativa dos dirigentes é que 2 milhões dos desligamentos viriam do comércio, enquanto as outras 500 mil demissões viriam da indústria.

CNI e IDV calculam que mais de 1 milhão de pacotes por dia dentro dessa faixa de valor, o que soma R$ 60 bilhões em compras online por ano e, por isso, pedem a retomada da taxação das compras online. Os cortes equivalem a uma perda de 16,89% no total de vagas formais criadas pelo comércio nos cinco primeiros meses de 2023 (11.841), além de uma redução de 0,40% no saldo da indústria (123.694) para o mesmo período. Lideranças classistas ouvidas pela reportagem do Jornal do Commercio concordam que a medida é controversa, sendo que a preocupação é maior no comércio do que na indústria.

O pleito empresarial já encontrou eco dentro do Executivo. Em nota técnica, publicada na edição do jornal “Valor Econômico” da última segunda (26), a Secretaria da Receita Federal informou que a isenção deve acarretar “perda potencial” de R$ 34,93 bilhões em impostos não arrecadados, até 2027. No cálculo do fisco, em torno de 80% do volume total de remessas postais e expressas, remetidas por pessoas jurídicas, passarão a contar com a alíquota zero. Vale notar que essa isenção já ocorria de maneira tácita, até meses atrás, quando o Ministério da Fazenda anunciou que iria taxar as operações. Mas, diante da reação negativa da opinião pública, o governo acabou desistindo da ideia.

“Concorrência desleal”

Embora ressalte que os comerciantes sempre são a favor da livre iniciativa, o presidente da FCDL-AM, Ezra Azury, considera o assunto delicado. Para ele, trata-se de uma concorrência desleal, uma vez que “muitas vezes” os produtos são comprados diretamente de fábricas estrangeiras e acabam gerando empregos lá e não aqui. E reforça que muitas lojas físicas no Brasil estão fechando a porta diante dessa situação. O dirigente avalia que é possível reverter a medida, possivelmente dando a mesma isonomia ao comerciante brasileiro.

“Isso extrapola um pouco essa liberdade de iniciativa. Se alguém daqui quiser comprar um sapato dessa forma, ele pode custar US$ 50, mas na loja vai sair a US$ 80. Dessa forma, não há concorrência. É o próprio gerente comercial da fábrica que vende os produtos, de um por um, e acaba vendendo mil”, apontou. “Se não pago nada para trazer algo do exterior, também não preciso pagar nada de ICMS para vender nessa faixa. Acredito que temos de criar algum tipo de critério quanto a isso. Esperamos que o governo cria alguma medida para que não soframos essas consequências, mais para a frente”, emendou.

Na mesma linha, o presidente em exercício da Fecomercio-AM, Aderson Frota, concorda que a isenção tributária para as compras no estrangeiro atinge uma parcela considerável da atividade comercial. O dirigente reforça que o produto vindo da China (e de outros países asiáticos) já vem com preço competitivo, e o incentivo acaba desequilibrando ainda mais a situação em desfavor do varejo formal.

“É claro que, por trás dessa aparente venda para pessoas físicas, há grandes interesses comerciais que não são detectados. Mas acontece que a gente percebe que há fracionamento [nas compras] e um uso de CPFs que acaba torcendo todo esse processo e prejudicando todo o comércio formal. Nossa preocupação é que essa atividade está crescendo e isso vai criando raízes muito sólidas. A consequência é que as empresas que pagam impostos e que tem lojas vão entrar em um processo de dificuldades, que vai gerar desemprego. Essas compras, mesmo em valores baixos, não deveriam serr isentas. Essa é nossa avaliação”, enfatizou.

Já o vice-presidente da ACA, Paulo Couto, reforça que tal nível de isenção “certamente” vai enfraquecer ainda mais o comércio interno e, por consequência, gerar demissões. “A pressão das grandes representações institucionais pode, sim, levar o governo a readequar a medida e é isso que esperamos. É preciso ampla mobilização, inclusive das classes políticas. Cadê a defesa da livre empresa, da renda e dos empregos?”, questionou.

“Dependência excessiva”

O vice-presidente da Fieam, Nelson Azevedo, concorda que a isenção traz uma distorção prejudicial a ambos os setores e também à arrecadação de impostos – que poderiam ser usados para financiar serviços públicos e infraestrutura. E alerta que a medida pode desindustrializar ainda mais o Brasil, ao “inundar” o mercado interno de manufaturados estrangeiros, levando à queda da produção industrial, fechamento de fábricas e desemprego, além da “dependência excessiva” de importados e enfraquecimento da competitividade da economia nacional.

No entendimento do vice-presidente da Fieam, o aumento no fluxo de volumes importados pode resultar em déficits comerciais, desencorajar investimentos na indústria nacional, e resultar em menor regulamentação em relação à segurança, qualidade e padrões ambientais dos produtos, assim como seus efeitos para a saúde do consumidor. Azevedo acrescenta que a medida também tem o condão de fazer o país perder controle sobre setores estratégicos, como tecnologia ou energia, além de sua capacidade de inovação e desenvolvimento nessas áreas, “ficando à mercê de outras nações”.

“É fundamental que as políticas de importação sejam cuidadosamente planejadas, levando em consideração a indústria nacional, a proteção ao meio ambiente, a segurança dos consumidores e a busca por um equilíbrio saudável no comércio internacional. Tarifas e restrições bem pensadas podem ser necessárias. O número de perda de empregos mencionado pela CNI não é alarmista, mas baseado em dados técnicos. Acreditamos que o governo não estudou os reflexos da decisão, que beneficia a população com maior poder aquisitivo e mais bem esclarecida, aumentando ainda mais o abismo social”, justificou.

Já o presidente da Aficam, Roberto Moreno, entende que o tema traz uma “difícil análise de impactos”, já que os levantamentos não são oficiais. O dirigente destaca que o Estado brasileiro já perde receitas com a venda de ambulantes não registrados, mas estima que a medida não deve causar efeitos significativos para o setor. 

“A impressão que fica é de haver, sim, algum impacto. Mas, talvez, amenizado pela quantidade de itens que hoje já são vendidos nas esquinas e outras localidades por pessoas físicas, geralmente sem recolhimento de impostos ao Tesouro Nacional. Isso já deve causar um rombo considerável na economia formal nacional. Na cadeia produtiva industrial, que não comercializa dessa maneira seus produtos e serviços, não deve ser impactante. Mas, acredito que nossas autoridades estão atentas para fazer ajustes necessários sempre protegendo nossa indústria e comércio”, finalizou. 

Marco Dassori

É repórter do Jornal do Commercio

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