Um dos escritores mais icônicos do Amazonas, o jornalista Simão Pessoa, lança seu próximo livro ‘Caso Delmo – os autos do processo e a confissão dos acusados’, no próximo dia 19, quinta-feira, no primeiro andar do Mirante Lúcia Almeida, às 19h, escrevendo mais um capítulo na história de Delmo Campelo Pereira, um adolescente de família rica, morto em 5 de fevereiro de 1952, linchado por furiosos motoristas de táxi depois de ter assassinado, por motivos até hoje desconhecidos, um deles, isso depois de ter assaltado a empresa do próprio pai em busca de dinheiro para bancar sua boemia, agredir e deixar desmaiado o vigia da empresa, após ser flagrado. Passadas mais de 70 décadas o Caso Delmo, como ficou conhecida aquela onda de crimes, permanece nas mentes dos poucos ainda vivos e viveram aquele momento, e de quem ficou sabendo dos fatos através de histórias contadas por quem as viveu. A sala onde os acusados pela morte de Delmo foram julgados, e vários condenados, localizada no hoje Centro Cultural Palácio da Justiça, foi transformada num museu com documentação e fotos sobre o caso. Apesar de tantos crimes bárbaros acontecidos em Manaus nesses últimos 74 anos, o Caso Delmo não perde a sua essência e permanece vivo.
Jornal do Commercio: Quem foi Delmo Campelo Pereira?
Simão Pessoa: Filho do português Roberto Pereira, um empresário bem-sucedido que criou uma das primeiras serrarias de Manaus, a Serraria Pereira, na Colônia Oliveira Machado, às margens do rio Negro, Delmo Pereira era um rapaz bem-apessoado, com pouco mais de 18 anos de idade, de jeito extrovertido, praticante de remo e natação, que estudava no Colégio Estadual (atual Colégio Estadual Dom Pedro II) e vivia sempre cercado de belas garotas. Durante o dia era o estudante bajulado pelas meninas e invejado pelos colegas, mas à noite mudava de personalidade, quando se transformava num boêmio compulsivo e violento, movido a álcool e drogas ilícitas. Por conta disso, ele assassinou um motorista de praça (como eram chamados os motoristas de táxi naquela época) e depois foi morto pelos motoristas amigos da vítima.
JC: Por que sua morte chocou os manauaras por décadas?
SP: Pela forma como tudo aconteceu. Foi a primeira vez na história da cidade em que um preso foi raptado das forças policiais em plena luz do dia, levado para um local ermo e distante, interrogado com violência, seviciado e morto pelos seus algozes, sem falar que Delmo era filho de uma família abastada.
JC: Como você teve acesso aos fatos da morte de Delmo?
SP: Como todo mundo, por meio de notícias publicadas em jornais da época. Mas depois o saudoso livreiro Antônio Diniz, após adquirir um acervo de livros e documentos para o seu sebo, descobriu uma série de novos documentos que serviram de base para o livro ‘Barbárie na selva: o Caso Delmo’, que publicamos apenas na versão PDF para uma centena de leitores.
JC: Faz tempo que você está com esses documentos. Por que só agora resolveu escrever o livro?
SP: O nosso livro ficou pronto em 2008, mas como soe acontecer em uma cidade que não se destaca por cultivar a sua memória, não encontramos patrocinadores interessados em financiar a publicação da obra, que foi relegada ao esquecimento em uma câmara criogênica. Três anos depois, o Durango Duarte publicou o livro ‘Caso Delmo – o crime mais famoso de Manaus’, pela Mídia.Com Publicidade. Como os dois livros se complementam, convenci o Durango, este ano, de fazermos um novo livro a quatro mãos, juntando o material que eu possuía com o material que ele não havia aproveitado no seu livro.
JC: Que fatos novos descobriu nesses documentos?
SP: Na verdade, não há fatos novos. O que temos de novo são os depoimentos dos acusados dados à Justiça porque os depoimentos deles prestados à polícia tomaram chá de sumiço.
JC: O que mais o chocou em toda essa história?
SP: A quantidade de pessoas inocentes que foram envolvidas nas investigações e recolhidas à Penitenciária sem terem qualquer participação no crime e que tiveram de arcar com essas acusações mentirosas pelo resto da vida. O caso mais notório é o do falecido empresário Cassiano Anunciação, o ‘Batará’, que era vizinho de meus pais na antiga rua Waupés, atual Castelo Branco, na Cachoeirinha. Batará era motorista de praça, naquele ano de 1952, e os envolvidos no linchamento de Delmo eram, em sua maioria, motoristas de praça.
JC: Seu livro sela de vez esse crime, ou ainda restam dúvidas?
SP: Sobre a morte do estudante, sim, porque a peça de acusação feita pelo promotor Domingos Queiroz, que estamos publicando, é uma obra de arte. Quanto ao assassinato do motorista cometido pelo Delmo, só há especulações. Ele levou a verdade para o túmulo junto com ele.