18 de dezembro de 2024

“Levou a verdade para o túmulo”

Mais uma obra do escritor Simão Pessoa será lançada, desta vez sobre um crime que mexeu por décadas com o inconsciente dos manauaras.

Um dos escritores mais icônicos do Amazonas, o jornalista Simão Pessoa, lança seu próximo livro ‘Caso Delmo – os autos do processo e a confissão dos acusados’, no próximo dia 19, quinta-feira, no primeiro andar do Mirante Lúcia Almeida, às 19h, escrevendo mais um capítulo na história de Delmo Campelo Pereira, um adolescente de família rica, morto em 5 de fevereiro de 1952, linchado por furiosos motoristas de táxi depois de ter assassinado, por motivos até hoje desconhecidos, um deles, isso depois de ter assaltado a empresa do próprio pai em busca de dinheiro para bancar sua boemia, agredir e deixar desmaiado o vigia da empresa, após ser flagrado. Passadas mais de 70 décadas o Caso Delmo, como ficou conhecida aquela onda de crimes, permanece nas mentes dos poucos ainda vivos e viveram aquele momento, e de quem ficou sabendo dos fatos através de histórias contadas por quem as viveu. A sala onde os acusados pela morte de Delmo foram julgados, e vários condenados, localizada no hoje Centro Cultural Palácio da Justiça, foi transformada num museu com documentação e fotos sobre o caso. Apesar de tantos crimes bárbaros acontecidos em Manaus nesses últimos 74 anos, o Caso Delmo não perde a sua essência e permanece vivo.         

Simão escreve mais um capítulo na história de Delmo Campelo Pereira
Simão escreve mais um capítulo na história de Delmo Campelo Pereira

 Jornal do Commercio: Quem foi Delmo Campelo Pereira?

Simão Pessoa: Filho do português Roberto Pereira, um empresário bem-sucedido que criou uma das primeiras serrarias de Manaus, a Serraria Pereira, na Colônia Oliveira Machado, às margens do rio Negro, Delmo Pereira era um rapaz bem-apessoado, com pouco mais de 18 anos de idade, de jeito extrovertido, praticante de remo e natação, que estudava no Colégio Estadual (atual Colégio Estadual Dom Pedro II) e vivia sempre cercado de belas garotas. Durante o dia era o estudante bajulado pelas meninas e invejado pelos colegas, mas à noite mudava de personalidade, quando se transformava num boêmio compulsivo e violento, movido a álcool e drogas ilícitas. Por conta disso, ele assassinou um motorista de praça (como eram chamados os motoristas de táxi naquela época) e depois foi morto pelos motoristas amigos da vítima.

 

JC: Por que sua morte chocou os manauaras por décadas?

SP: Pela forma como tudo aconteceu. Foi a primeira vez na história da cidade em que um preso foi raptado das forças policiais em plena luz do dia, levado para um local ermo e distante, interrogado com violência, seviciado e morto pelos seus algozes, sem falar que Delmo era filho de uma família abastada.

 

JC: Como você teve acesso aos fatos da morte de Delmo?

SP: Como todo mundo, por meio de notícias publicadas em jornais da época. Mas depois o saudoso livreiro Antônio Diniz, após adquirir um acervo de livros e documentos para o seu sebo, descobriu uma série de novos documentos que serviram de base para o livro ‘Barbárie na selva: o Caso Delmo’, que publicamos apenas na versão PDF para uma centena de leitores.

 

JC: Faz tempo que você está com esses documentos. Por que só agora resolveu escrever o livro?

SP: O nosso livro ficou pronto em 2008, mas como soe acontecer em uma cidade que não se destaca por cultivar a sua memória, não encontramos patrocinadores interessados em financiar a publicação da obra, que foi relegada ao esquecimento em uma câmara criogênica. Três anos depois, o Durango Duarte publicou o livro ‘Caso Delmo – o crime mais famoso de Manaus’, pela Mídia.Com Publicidade. Como os dois livros se complementam, convenci o Durango, este ano, de fazermos um novo livro a quatro mãos, juntando o material que eu possuía com o material que ele não havia aproveitado no seu livro.

 

JC: Que fatos novos descobriu nesses documentos?

SP: Na verdade, não há fatos novos. O que temos de novo são os depoimentos dos acusados dados à Justiça porque os depoimentos deles prestados à polícia tomaram chá de sumiço.

 

JC: O que mais o chocou em toda essa história?

SP: A quantidade de pessoas inocentes que foram envolvidas nas investigações e recolhidas à Penitenciária sem terem qualquer participação no crime e que tiveram de arcar com essas acusações mentirosas pelo resto da vida. O caso mais notório é o do falecido empresário Cassiano Anunciação, o ‘Batará’, que era vizinho de meus pais na antiga rua Waupés, atual Castelo Branco, na Cachoeirinha. Batará era motorista de praça, naquele ano de 1952, e os envolvidos no linchamento de Delmo eram, em sua maioria, motoristas de praça.

 

JC: Seu livro sela de vez esse crime, ou ainda restam dúvidas?

SP: Sobre a morte do estudante, sim, porque a peça de acusação feita pelo promotor Domingos Queiroz, que estamos publicando, é uma obra de arte. Quanto ao assassinato do motorista cometido pelo Delmo, só há especulações. Ele levou a verdade para o túmulo junto com ele.

Delmo Pereira era um rapaz bem-apessoado, com pouco mais de 18 anos de idade

 

Evaldo Ferreira

é repórter do Jornal do Commercio

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