Bernadete Andrade nasceu na mesma cidade de Thiago de Mello. Enquanto este enveredou pela poesia, Bernadete se tornou artista plástica. Nasceu em 1953, bem depois que o poeta, e morreu bem antes, em 2007, mas como ele, deixou uma expressiva obra artística. Logo mais, a Editora Valer lança o livro ‘Cidade mítica – uma poética das ruínas ou a cidade vista pelo imaginário do artista’, último trabalho de pesquisa realizado pela artista.
De Barreirinha, Bernadete veio para Manaus ainda criança cursando o primário no Colégio Aparecida, no início da década de 1960. Adolescente, ingressou na prestigiosa ETFA (Escola Técnica Federal do Amazonas), onde teve o primeiro contato com a arte através do professor de desenho, não menos prestigioso, Moacir Andrade, no curso de Edificações. Ao mesmo tempo passou a estudar desenho artístico na Pinacoteca, então localizada na Biblioteca Pública, com dois outros mestres das artes plásticas, Álvaro Páscoa e Manoel Borges. Com estes três grandes mestres, Bernadete ampliou sua visão das artes, moldando o talento que herdara da mãe, Alice, ainda em Barreirinha.
Entre 1973 e 1974, no Núcleo Companheiros da América, a jovem se aprimorou no paisagismo.
Em 1978, Bernadete entrou no curso de filosofia, na então UA (Universidade do Amazonas), concluindo-o em 1982, mudando-se em seguida para o Rio de Janeiro onde fez um curso sobre a cor, com Abelardo Zaluar, do MAM (Museu de Arte Moderna). Uma das características da artista, depois, seria misturar cores com diferentes argilas encontradas na estrada AM-010 (Manaus/Itacoatiara). O resultado disso são combinações únicas, vistas exclusivamente em suas obras, e que carregam em si uma matéria-prima exclusivamente amazônica.
Amor pela Amazônia
Ainda no Rio, Bernadete estudou gravura em metal e monotipia, no ateliê do Sesc Tijuca. Ingressou na Escola de Belas Artes da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) enveredando para a criação de cenários para espetáculos, bem como bonecos para teatro.
“Uma das coisas que mais me marcaram, de minha mãe, foi ela pintando seus quadros na sala de nossa casa”, recordou Gabriel, filho de Bernadete.
Mas a artista nunca esqueceu Manaus e, em 1988, retornou à capital amazonense como professora de artes, no curso de Educação Artística da UA. Na cidade, passou a integrar a geração de artistas plásticos que surgira naquela década. Alguns de seus quadros podem ser vistos na Pinacoteca do Estado.
O trabalho de Bernadete sempre foi voltado para a região amazônica. Era uma artista que valorizava muito esta terra. Não à toa, em 2004, ela assumiu a superintendência regional do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), onde implementou o programa Brasil Patrimônio Cultural, que fez o levantamento de sítios e coleções arqueológicas no Médio Amazonas.
“Realmente ela tinha uma paixão por pesquisar sítios arqueológicos, talvez porque neles estivesse contida a verdadeira história de Manaus, que pode diferir da história oficial”, disse Gabriel.
A artista resgatou, em suas telas, a história soterrada dos povos tradicionais da Amazônia. Em ‘Cidade mítica’, ela apresenta um profundo conhecimento do grafismo indígena, pintura e desenho étnico, resultados de uma extensa pesquisa de campo que realizou na comunidade Umbucyn (do tupi, ‘beija-flor’), no município de Rio Preto da Eva, composta por cinco etnias: sateré, mura, tukano, dessana e baniwa.
Manaus soterrada
Do lançamento de ‘Cidade mítica’, que será realizado através de uma live, no Facebook da Valer, participarão Gabriel de Andrade; a irmã de Bernadete, professora Magela Andrade; os escritores João Paes Loureiro, Priscila Pinto, e Lúcia Rocha; a professora Socorro Jatobá; e a jornalista Mirna Feitoza. A mediação do bate-papo ficará por conta de Neiza Teixeira, doutora em filosofia e coordenadora editorial da Editora Valer.
‘Cidade mítica’ é uma obra-prima profunda, na qual a autora viaja numa aventura, nesta Manaus soterrada, que sobrevive debaixo dos nossos pés e que se encontra adormecida para a própria população. Ela apresenta outra arquitetura da cidade, nosso habitat, e a maneira pela qual podemos nos reconhecer e reconectar com a história. Para Bernadete, a denominação ‘mítica’ provém do sentido de ida e volta, de retorno a algo que, como a imagem, contém a mobilidade do espírito e torna presente o que já foi.
No livro, não se discute a cidade no seu aspecto urbanístico, mas, sim, no sentido mais próximo da arte, porque ela passa a ser vista como um lugar para desenvolver a sensibilidade e a experiência humana, uma vez que nos provoca e proporciona o ingresso em outro nível de realidade.
“O legado de minha mãe foi mostrar o quanto é importante olharmos para o chão onde pisamos e entendermos que hoje, em Manaus, não vemos as nossas raízes, principalmente indígena”, concluiu Gabriel.
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