Maior legado de Rocha dos Santos

Em: 2 de janeiro de 2025
Túmulo do fundador do Jornal do Commercio está abandonado e esquecido, mas o jornal fundado por ele permanece vivo e atuante.
Rocha dos Santos, fundador do Jornal do Commercio, nasceu em Lisboa

‘Laborum meta’ ou, traduzindo, ‘fim dos trabalhos’. Assim está escrito no alto do portal de entrada do cemitério São João Batista. A frase poderia ser complementada com a palavra, também em latim: oblivion (esquecimento). Fim dos trabalhos e o esquecimento.

Não adiantou ser tão bonito e imponente. O túmulo do português Joaquim Rocha dos Santos, fundador do Jornal do Commercio, está esquecido há anos, quem sabe décadas ou desde que ele lá foi enterrado, em 1905, mesmo tendo tido uma trajetória de sucesso na cidade que adotou, e feito muitos amigos.

Rocha dos Santos teve um único filho, Raymundo Rocha dos Santos, o Raymundinho, e não se sabe de seus descendentes em Manaus.

Quando Rocha dos Santos morreu, Raymundinho estava morando em Recife, para onde tinha ido estudar, acompanhado da mãe Maria José de Moraes Rocha dos Santos. Também não se sabe quando, e se, voltaram para a capital amazonense.

O fundador do Jornal do Commercio nasceu em Lisboa, em 6 de dezembro de 1851 e morreu três dias apenas após completar 54 anos, em 9 de dezembro de 1905, e menos de um ano depois da fundação do JC, ocorrida em 2 de janeiro de 1904.

Sabe-se, apenas, o nome de seu pai, Thomé dos Santos, e desconhece-se porque veio para o Brasil, em 1862, com apenas onze anos de idade. Morou em Fortaleza; depois em Caxias, na província do Maranhão; no Pará; e finalmente em Manaus. Então acontece um hiato na história do pequeno português que reaparece adulto como delegado de polícia, juiz de paz, camarista (vereador), deputado da Assembleia e do Congresso, administrador do trapiche da Recebedoria, provedor da Santa Casa de Misericórdia e major, patente militar que acompanha seu nome numa das ruas de Manaus.

 

Mesma linha editorial

Quando Rocha dos Santos fundou o Jornal do Commercio, Manaus vivia o auge do comércio da borracha, período que durou de 1890 a 1910. Ao andarmos pelo Centro Histórico da cidade podemos observar isso. Alguns dos casarões e palacetes, muitos dos quais abandonados ou descaracterizados, apresentam em suas platibandas o ano de sua possível inauguração, entre 1900 e 1910. As grandes, e caras, obras arquitetônicas mandadas construir pelo governador Eduardo Gonçalves Ribeiro (1892/1896) foram levantadas em apenas quatro anos, os que ele governou.

Foi dentro desse universo que Rocha dos Santos resolveu fundar o jornal, cujo nome já dizia tudo. Seu objetivo era divulgar o comércio pujante da cidade. 121 anos depois o Jornal do Commercio ainda mantém a linha editorial imaginada pelo seu fundador, divulgando comerciantes, empreendedores e empresários de Manaus e do Amazonas.

De acordo com o historiador Ed Lincon Barros, a redação e a oficina do jornal foram instalados num belo casarão, na então avenida mais chique da cidade, a Eduardo Ribeiro, onde hoje, com a fachada restaurada, funciona uma loja das Casas Bahia. Em 1916, já pertencendo ao jornalista, advogado e teatrólogo Vicente Reis, a empresa foi transferida para um casarão ainda maior, do outro lado da avenida. Em 1943, este prédio foi demolido e construído outro, agora sob propriedade dos Diários Associados, do mega empresário das comunicações Assis Chateaubriand. Em 1982 este prédio também foi demolido. Hoje, no local, está a loja Renner. Em 1984, agora tendo o empresário Guilherme Aluizio de Oliveira Silva como novo proprietário, o Jornal do Commercio foi transferido para o atual endereço, na av. Tefé, no Japiim.

Prédio onde o JC começou, hoje funciona uma loja das Casas Bahia
Prédio onde o JC começou, hoje funciona uma loja das Casas Bahia.

 

Maior legado    

Menos de um mês antes de comemorar um ano do Jornal do Commercio, Rocha dos Santos, com 54 anos, aparentemente teve um colapso cardíaco, situação que hoje, com certos procedimentos, podem salvar a vida do colapsado, mas que naquela época eram desconhecidos. O português agonizou, ainda lúcido, mas não resistiu. Pessoas que o acompanharam até o fim disseram que suas últimas palavras foram perdoar a quem lhe tivesse feito mal e pedir perdão a quem mal ele tivesse feito. Amigos confirmaram ser Rocha dos Santos uma boa pessoa, tanto que fundou a Casa dos Pobres, instituição que recebia doações para ajudar necessitados e promovia anualmente o Natal dos Pobres. Também ajudava a Sociedade São Vicente de Paula. Confirmando essa sua qualidade, no dia do seu enterro, amigos e familiares arrecadaram 100 mil réis e distribuíram entre os pobres antes de o cortejo seguir rumo ao cemitério de São João Batista.

Com a morte de Rocha dos Santos, o Jornal do Commercio parou de circular, voltando somente em 1906, agora pertencendo a Adolpho Guilherme de Miranda Lisboa. E tem sido assim até hoje, sob a propriedade de Sócrates Bomfim Neto, desde 2019. Ainda que o túmulo de Rocha dos Santos permaneça esquecido, o Jornal do Commercio permanece mais vivo do que nunca, como o seu maior legado para Manaus e o Amazonas.

O túmulo de Rocha dos Santos está esquecido, mas seu legado permanece vivo
O túmulo de Rocha dos Santos está esquecido, mas seu legado permanece vivo.

Evaldo Ferreira

é repórter do Jornal do Commercio
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